São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 1997
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A optometria desnecessária

ELISABETO RIBEIRO GONÇALVES

O espaço reservado à coluna do meio da segunda página da Folha parece ter consolidado a tradição de automático alinhamento contra a oftalmologia brasileira. Em 1995, Gilberto Dimenstein; agora, Valdo Cruz ("Miopia", 17/3).
Em sua coluna, o jornalista defende a prática da optometria no Brasil, ouvindo, pelo que depreendemos da leitura, tão-só a palavra do presidente da Associação Brasileira de Optometria. Ao optometrista caberia identificar os defeitos anatômicos da visão; ao oftalmologia, o diagnóstico das doenças oculares!
Mas a visão é uma função e não uma estrutura; portanto, quem tem defeitos anatômicos é o globo ocular, não ela. Não há como separar pacientes que estão com defeitos anatômicos e os que estão com doenças.
A cisão proposta pelos optometristas, além de errônea, é artificial, talvez para livrar a responsabilidade de quem jamais terá condições de examinar e avaliar o olho como um todo, em sua extraordinária complexidade anatômica e funcional.
É bom lembrar que o oftalmologista, ao receitar um par de óculos, está respaldado no conhecimento de seis anos de medicina e mais três a quatro de formação especializada. Nem se argumente que o optometrista entende mais de refração que o oftalmologista: faz parte do nosso curso um rigoroso aprendizado da matéria.
Se o optometrista sabe fazer refração, o oftalmologista faz mais e melhor. Com a vantagem inquestionável: como médicos, nós estamos aptos a diagnosticar e tratar não só as doenças próprias dos olhos como uma infinidade de doenças sistêmicas que nele se manifestam. E frequentemente somos nós que antecipamos o diagnóstico dessas doenças.
A apaixonada defesa da optometria não abre mão do desrespeito, quando se refere a nós como a "turma da oftalmologia" ou quando diz que "brigamos por uma reserva de mercado". Nós não somos "turma", somos profissionais credenciados pelo saber, pela experiência e pela lei. Também não "brigamos por reserva de mercado": nossa luta é muito mais nobre e altruísta, pois entramos nela para defender a saúde ocular do brasileiro.
É necessário que se procure conhecer melhor o assunto antes de emitir uma opinião defeituosa e facciosa num jornal com a importância e o prestígio da Folha. Por que não conversar com os órgãos colegiados da especialidade, como o Conselho Brasileiro de Oftalmologia, a Sociedade Brasileira de Oftalmologia e a Associação dos Médicos Oftalmologistas de Minas Gerais?
A lei prevaleceu contra a opinião do jornalista Dimenstein, e os óculos voltaram a ser vendidos só com receita médica. A idéia da optometria não vingará, porque ela é desnecessária e perniciosa à saúde ocular do brasileiro.
Os seus defensores argumentarão que, se ela é praticada nos EUA, deve ser boa para nós. Não, não é. A introdução da optometria lá foi um erro, e contra ela se insurgiu, tenaz e permanentemente, um dos mais ilustres e notáveis oftalmologistas, o pai da moderna oftalmologia americana -Edward Jackson-, tentando até suprimi-la como profissão. Mesmo porque, como já se disse, se podemos escolher entre tantos erros novos, por que insistir em optar por velhos e ensebados desacertos?

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