São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 1997
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Palhaço Arrelia queria ir para Hollywood

FREE-LANCE PARA A FOLHA

"Como vai, como vai vai vai? Muito bem, muito bem bem bem." Foi assim que, durante 21 anos, a dupla de palhaços Arrelia e Pimentinha abriu seu programa na TV Record.
O cumprimento, na verdade, foi inspirado num desembargador do interior. Ele repetia tanto o "tudo bem?" quando cumprimentava alguém que foi demais para a alma brincalhona de Waldemar Seyssel, o Arrelia. Quando viu, já estava respondendo daquele jeito.
Hoje com 91 anos, Seyssel não inventou apenas o cumprimento por acaso: a primeira palhaçada foi também por acidente.
O que ele queria mesmo era ir para Hollywood ser artista -e beijar as estrelas. Mas o destino de quem nasce em família de circo não pode ser outro além da lona.
Um dia, quando ainda era acrobata, Seyssel foi forçado por seu pai e irmãos a entrar em cena como palhaço. Eles o pintaram e o jogaram em cena. Quando viu, tinha caído numa bengala e se machucado. Foi a deixa para o povo começar a rir. "Não é que eu estou agradando mesmo?", conta ter pensado.
Então, chutou um outro rapaz, que estava por lá, com tanta vontade que o machucou mesmo. O atingido correu atrás de Seyssel, que fugiu pelo picadeiro todo desengonçado, com roupa de palhaço e sapatos enormes.
Quanto mais a briga esquentava, mais a platéia ria. No final da noite, o pai de Seyssel, o também palhaço Pinga-Pulha, bateu em seu ombro e selou o destino: "Vai ser você mesmo".
Mas foi à sua maneira. Primeiro, sem roupa muito larga e sapatão. Nem a maquiagem "over" e nariz de bola. Foi ele quem criou então o visual que ficou famoso depois. O treinamento? Mais de dois anos na frente do espelho ensaiando caretas e expressões.
O resultado foi sucesso em todo o Brasil. Arrelia também foi o primeiro palhaço a fazer televisão, em 1953.
Piolim
"Ele era o maior de todos e trabalhar com Piolim foi uma alegria", conta Seyssel que, nas parcerias de trabalho, foi também amigo de Piolim. Sobre ele, além do talento, o artista tem a dizer que sempre foi um bom amigo e é uma grande figura que enobrece o circo brasileiro.
Mas Piolim já se foi, assim como seu companheiro e sobrinho Pimentinha e tantos outros colegas.
Depois de ter sido palhaço 40 anos, Arrelia faz um balanço positivo de sua vida. "Era muito interessante", recorda. "Bem que gostaria de continuar a trabalhar", diz, mas tem consciência das limitações da idade.
Para ele, uma vida toda dedicada a esta arte não parece ter sido suficiente: "Se eu morrer e voltar a viver, quero ser palhaço de novo", diz.
E não porque seja uma vida só de alegria -estar rodeado por ela não é vivê-la.
O show não pode parar significa, por exemplo, ter de fazer as pessoas rirem logo após receber a notícia da morte da própria mãe. O segredo: "Eu respiro fundo e, quando estou no picadeiro, sou o Arrelia, não tem Waldemar", explica.
O amor do público sempre foi a grande recompensa para o artista. "Amo meus fãs, morro de saudades das gargalhadas e aplausos, faria qualquer coisa por eles", diz.
Já que não pode mais atuar, Seyssel continua escrevendo. Ele já tem, pronta, a sua autobiografia, que será lançada pela editora Ibrasa por volta de maio.
A variedade de histórias deste livro é certamente uma das grandes riquezas da cultura popular brasileira e irá enriquecer uma bibliografia que deixa a desejar, a da história do circo no Brasil.
O ator Hugo Possolo, dos Parlapatões, Patifes & Paspalhões, diz que está há quatro anos tentando escrever um livro sobre isso e não consegue por falta de fontes.

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