São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 1997
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Novela mexicana

OTAVIO FRIAS FILHO

O aparecimento de senadores do PT na última novela da Globo, onde tiveram a chance de exibir seus pendores dramáticos num contexto ficcional, despertou o apoio dos entusiastas de uma aproximação entre novela e "realidade". Essa aproximação já vinha ocorrendo, embora o velório do senador Caxias tenha sido seu ápice.
Seria outra a reação caso o ator especialmente convidado fosse um líder da UDR ou mesmo FHC, listando a quantidade ciclópica de assentamentos realizados em sua gestão. De fato, a emissora se vê às voltas com uma enxurrada de pedidos dos vários lobbies, cada um mais legítimo que o outro, disputando carona no enredo.
Este congelou numa estrutura fixa -bons e maus, ricos e pobres, cidade e sertão- que importa menos do que os enxertos da conjuntura, extraídos do "Jornal Nacional". Em termos publicitários, a novela tonifica o roteiro exaurido por exigências comerciais, beneficiando-se do "recall" do noticiário das 8.
Não há moda ou mania que não esteja na novela, esvaziada a sua arquitetura interna, retalhada em loteamentos pelo merchandising que dissimula da mesma forma cosméticos e senadores. É como se Aracy Balabanian fosse chamada às pressas sempre que os sensores indicassem queda de audiência na comunidade de origem armênia.
Na busca de uma fidelidade extensiva, de cada ponto na audiência, de cada tribo disponível, não há coerência que aguente. Daí a idéia de que o estilo da novela brasileira seria uma variante do temível realismo mágico que tanto flagelou nosso subcontinente, ainda que realismo estatístico fosse, no caso, termo mais adequado.
Passo mais radical foi dado com o hiper-realismo de uma novela americana para jovens que a MTV está exibindo como "Na Real" ("The Real World", Los Angeles, 1993). Não existe enredo: a vida cotidiana já é uma mina de clichês. Na reengenharia dessa novela, não há diretor e quem faz os diálogos são os próprios atores ao falar.
A produção se limitou a reunir um rapper nova-iorquino, um vaqueiro do Kentucky, uma garota batista etc., todos recém-egressos da adolescência, para trancá-los num trailer e ver no que dava. Eles são despachados Estados Unidos afora, enquanto uma câmera filma seus pequenos dramas, os "conflitos em meio às incertezas da idade".
O resultado é soporífero. O telespectador está livre dos tipos histriônicos, das cenas melosas e dos finais de capítulo com efeitos sonoros que dizem: "Ela descobriu tudo, entendeu?" ou "Preste atenção, o cara está armado". Tudo fica mais simples, simples demais quando o drama é perder a licença de motorista por ter bebido cerveja.
Não que os personagens não sejam estereotipados, como aliás se acusam o tempo todo -eles são adolescentes, afinal. Mas o tom de documentário faz lembrar um programa da TV educativa, qualquer arroubo dos personagens já soa como exibicionismo e sua vida, desbotada assim, não parece menos falsa que as novelas mexicanas.

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