São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 1997
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A inocência da culpa

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Acusa-se o cristianismo, herdeiro do judaísmo, de ter inculcado no homem um abominável sentimento de culpa. Bater no peito e proferir o condenável "mea culpa", segundo alguns psicólogos, é o ponto de partida para traumas e conflitos que desgraçam o homem.
Na outra ponta da corda está a supervalorização da inocência. Collor se diz inocente, PC dizia-se inocente, Pitta anda dizendo que é e está inocente. Retorno a Machado de Assis: tudo é possível.
Mas devo dizer aos senhores membros do conselho que vi e ouvi um homem admitir a sua culpa. Faz algum tempo e foi pela TV, que de certa forma amplia a visão material que tenho do mundo. Os Estados Unidos tentavam resgatar os americanos que haviam sido sequestrados no Irã. Falhadas as tentativas diplomáticas e as ameaças econômicas, sobrou ao presidente Jimmy Carter uma operação militar que incluía helicópteros.
Foi um fracasso -embora bem menor do que o do Vietnã. Os planos estavam errados, os helicópteros não podiam fazer a rota pelo deserto, enfim, diria Eça de Queiroz, o colosso americano fê-la boa.
No mesmo dia, Jimmy Carter vai à TV e inicia sua fala com palavras que guardei até hoje: "Eu, Jimmy Carter, presidente dos Estados Unidos, errei".
Não se tratava de um caso moral. Mesmo assim, Carter pagou pelo erro. Não se reelegeu e só não voltou a vender amendoim porque tem direito a uma pensão. Mais tarde, reapareceu no cenário internacional como bom mediador e conseguiu evitar pelo menos dois conflitos que estavam maduros para estourar.
O mecanismo cristão da confissão e da absolvição tem exemplos notáveis como o de santo Agostinho. No pólo oposto, o exemplo de Judas, que a admitir a culpa preferiu o desespero.
Carter é cristão, como Collor e Pitta. Assumir a culpa de um erro não infelicita o ser humano. Muitas vezes o redime.

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