São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Jobim: engajamento na emergência

PAULO SÉRGIO PINHEIRO

No Brasil, reconhece o último relatório mundial da Human Rights Watch, a tensão entre o compromisso do governo Fernando Henrique Cardoso com os direitos humanos e a omissão de governos estaduais é o obstáculo principal para a vigência desses direitos. Em alguns Estados da Federação, as autoridades omitem-se, quando não apóiam abertamente o arbítrio.
Nelson Jobim, como ministro da Justiça, constatou essa tensão e enfrentou-a. Jobim tem gosto e disponibilidade para atuar diante das emergências. Fez cobranças diretas aos Tribunais de Justiça das Polícias Militares. Foi aos locais onde ocorreram massacres de trabalhadores rurais ou de presos e pediu em pessoa informações a presidentes de IPMs. Determinou punições exemplares a agentes do Estado que cometeram ações arbitrárias.
Várias ações requereram ousadia. O reconhecimento dos desaparecidos políticos sob a ditadura militar e as indenizações para suas famílias são únicas em todas as experiências de transições políticas. Nos verbetes do futuro, estará o Programa Nacional de Direitos Humanos, que serve para reformas, novas leis, mobilização da sociedade civil e controle das autoridades pela mesma.
Na preparação do programa, a coordenação atribuída a seu chefe de gabinete, José Gregori, foi crucial para o êxito, dada sua vocação para o diálogo e a negociação e sua finíssima habilidade política (qualidades decisivas também provadas no projeto de lei dos desaparecidos). Com sua vasta experiência, tanto governamental como de militante dos direitos humanos na sociedade civil, Gregori trouxe para o governo federal uma contribuição inestimável.
Muito foi realizado no âmbito do programa, Jobim foi ao plenário da Câmara dos Deputados defender o apoio à transferência da competência para crimes comuns das cortes das Polícias Militares para a Justiça Civil. O Senado aprovou a competência da Justiça Civil para os crimes de homicídio doloso, transferindo todos os recentes massacres por policiais militares para a Justiça Civil.
A criminalização do armamento ilegal foi aprovada. Foi proposta lei proibindo o trabalho de crianças. Apoiaram-se iniciativas visando a promoção da comunidade negra. Formulou-se projeto de lei para coibir a lavagem de dinheiro no sistema bancário. Aprovou-se no Congresso legislação para refugiados.
Muitas violações continuam, porque o programa não é varinha mágica, mas quadro de referência para um processo contraditório e longo. Mas a impunidade não está mais garantida.
Jobim pôs abaixo o anacronismo da postura de Pôncio Pilatos assumida pela maioria dos ministros da Justiça na República. Reconheça-se que, depois de 1985, Fernando Lyra, Jarbas Passarinho e Célio Borja, cada um nos limites das circunstâncias, além de, em especial, Maurício Corrêa, também contribuíram para romper a omissão diante da tortura, das execuções sumárias e dos massacres de presos comuns ou de trabalhadores rurais.
A ruptura de Jobim foi mostrar que a impunidade do arbítrio e da criminalidade não está mais assegurada, que todos devem prestar contas. E, se os governos estaduais são omissos, o governo federal atua e exige providências. No final das contas, quem responde pelos compromissos do Estado brasileiro na comunidade internacional é o governo federal.
Antes que o ministro ingresse no obsequioso silêncio político do Supremo Tribunal Federal, temos certeza de que o presidente Fernando Henrique Cardoso deixará claro, para quem for para a pasta da Justiça, que esse padrão de engajamento diante da emergência não pode ser abandonado, sob risco de gravíssimo retrocesso.
Para tanto, ajudaria muito definir logo e institucionalizar a área responsável pela política de direitos humanos. O ministro da Justiça não pode ser mais uma vestal diante dos horrores do arbítrio, mas deve ser o principal agente, como Nelson Jobim foi, para realizar o Estado de Direito.

Texto Anterior: EM EXTINÇÃO; APRENDIZADO
Próximo Texto: Dois anos depois (dois anos ainda!)
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.