São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 1997
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Dois anos depois (dois anos ainda!)

LUIZ ANTONIO FLEURY FILHO

Em entrevista publicada por esta Folha, o atual governador de São Paulo admitiu que seu governo não será marcado por nenhuma grande obra.
Sua desculpa número um para a pasmaceira, a de que estaria ocupado demais saneando as finanças do Estado, esvaiu-se no ar.
Que um governo capaz de entregar o Banespa, e ainda por cima aumentar a dívida do Estado com o banco em mais de US$ 15 bilhões em apenas dois anos, venha falar em saneamento das finanças é uma pilhéria de péssimo gosto. Que tenha se deixado levar durante dois anos pelas autoridades do Banco Central até a rendição completa é prova de singular inércia.
Não se passa um dia sem a notícia de um novo desastre. O mais recente é o caso da licitação para a concessão das rodovias. Até hoje, o atual governo não conseguiu dar um passo nesse caminho sem tropeçar nos próprios pés.
Depois de intermináveis idas e vindas, acabou publicando um edital de licitação para as rodovias Anhanguera e Bandeirantes. Mas a redação possuía tantas falhas gritantes que a licitação foi anulada. Voltou tudo à estaca zero, mais de um ano após o início do processo, com as rodovias mal conservadas, aguardando a privatização.
Não se trata de caso isolado. Até hoje o governo não conseguiu levar a cabo uma licitação para executar o desassoreamento do rio Tietê. Ora o serviço se encontra paralisado, ora vai sendo tocado precariamente por uma empreiteira contratada em regime de emergência. Enquanto isso, chove, o rio transborda, e o paulistano sofre.
Exceções existem, é verdade. Que se saiba, não houve qualquer dificuldade para contratar as agências de publicidade responsáveis pela campanha que inundou o horário nobre da televisão e os cadernos especiais da imprensa escrita na virada do ano. Como principal promessa, anunciava-se a concessão de rodovias, hoje adiada para as calendas gregas. Como realização maior, citava-se a entrega de 32 mil moradias populares.
Efetivamente foram entregues pelo atual governo 32 mil moradias. É indispensável notar, no entanto, que elas pertencem a um lote de 64.777 já em construção no dia de sua posse. Erguidas durante minha gestão, muitas já estavam em fase final de acabamento. Permaneceram prontas e vazias à espera do momento promocional mais adequado.
É curioso como um governo que tanto se preocupa em responsabilizar seus antecessores por todos os problemas que não sabe como resolver se esqueça, sistematicamente, de tudo de bom que encontrou pronto. Da mesma forma, declara ter entregue 2.567 viaturas policiais, "mais do que em todo o governo Fleury", quando o número da minha gestão chega a mais de 3.700.
Na verdade, o principal inimigo do atual governo não está no passado. Nasce dele próprio, de sua maneira de ver os problemas. Quando resolveu cortar as verbas do Hospital das Clínicas e a segurança escolar nas escolas, quando mandou cortar o plantão noturno das delegacias de periferia, os resultados não espantaram ninguém.
O Hospital das Clínicas desativou 171 leitos, e as estatísticas da violência dispararam na Grande São Paulo. Cresceram os números de homicídios (6,4%), roubos a bancos (38%), roubos a carros (22%) e roubos em geral (17,9%).
Por outro lado, quando resolveu iniciar a operação policial "Tolerância Zero", levando, ainda que tardiamente, a polícia para o centro da cidade e recolhendo as crianças de rua, todos aplaudiram. Infelizmente, as crianças recolhidas de manhã voltavam à tarde para a "cracolândia", já que o Estado não sabia o que fazer com elas.
Tendo paralisado programas de assistência aos menores e os de prevenção do uso de droga que achou funcionando (inclusive o projeto Escola É Vida e as 202 escolinhas de esporte, nas quais mais de 160 mil crianças e adolescentes encontraram ocupação sadia longe das ruas), não havia como reativá-los de um momento para outro.
Nem se alegue que houve diminuição de crimes em fevereiro, comparando-se com janeiro de 97. Basta lembrar que fevereiro teve três dias a menos e que, durante o Carnaval, reduziu-se a população na Grande São Paulo, e a maioria dos estabelecimentos comerciais (principalmente bancos) permaneceu fechada. De qualquer modo, pelo menos, descobriu-se a pólvora: quanto maior a presença inibidora da polícia, menor o índice de criminalidade.
Como se tudo isso não bastasse, inaugurou o ano letivo proibindo dezenas de milhares de crianças de assistirem às aulas. É isso mesmo. Parece incrível, mas é verdade. Sempre foram aceitas as crianças que completassem 7 anos antes de 31 de julho. Este ano, a data recuou para 28 de fevereiro.
Com essa, esgotou-se o estoque de "surpresas"? Esperamos que sim, mas nunca se sabe. Ainda temos dois anos pela frente.

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