São Paulo, sábado, 29 de março de 1997
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Um triângulo nem sempre amoroso

RUBENS RICUPERO

A característica da relação Brasil-América Latina é que um e outra cresceram à sombra hegemônica da única superpotência deste fim-de-século.
Enquanto vigorou entre nós o paradigma diplomático criado pelo barão do Rio Branco, a tendência era, se precisássemos escolher, dar preferência aos Estados Unidos e não aos vizinhos latinos.
De uns tempos para cá inverteu-se a postura. O símbolo dessa nova opção preferencial pela América Latina é o Mercosul e o desejo de estendê-lo pelo menos ao resto do continente sul-americano.
No momento, porém, em que começamos a subordinar os interesses dos EUA aos dos latino-americanos, corremos o risco de ver estes últimos subordinarem o Brasil aos Estados Unidos.
Isso é consequência do Nafta e agora da proposta de negociar a Associação de Livre Comércio das Américas ou Alca.
Em vésperas da reunião de maio em Belo Horizonte, na qual se devem tomar decisões importantes sobre o futuro da idéia, é preciso admitir que o panorama nos é francamente desfavorável, tanto em relação às recentes tendências do comércio Brasil-EUA quanto à possibilidade de modificá-las no curto prazo.
O problema se resume, portanto, em indagar se será possível, no período de sete anos até 2005, remover por negociação os obstáculos à expansão das exportações brasileiras ao mercado americano e resolver os problemas estruturais responsáveis pela perda de competitividade do nosso comércio exterior.
Entre 1990 e 1995, as exportações americanas ao Brasil aumentaram dez vezes mais do que as brasileiras aos EUA (a uma média anual de 23%, contra 2,6% para as nossas). Descontada a inflação, as vendas brasileiras na verdade estagnaram. Do déficit comercial de 1995, os EUA respondem por nada menos que 55%!
A situação é inquietante porque a taxa de crescimento de nossas exportações para o mercado americano é, junto com as para o Nafta, a mais baixa de todos os mercados principais. O pior é que isso aconteceu quando a economia dos EUA e suas importações aumentaram aceleradamente. Em contraste, a economia européia, apesar de quase estagnada, conseguiu, ainda assim, assegurar às vendas brasileiras expansão média de 5%, ou seja, o dobro das destinadas à América do Norte.
Algumas das causas desse resultado nada têm a ver com o Brasil. Um terço, por exemplo, do aumento das compras americanas nesta meia-década procede do Nafta, mostrando que as preferências outorgadas por Washington fazem diferença. Outro fator foi a multiplicação por dois ou três das exportações da China, do Sudeste asiático e da Índia, que superaram as de todos os latino-americanos, exceto o México.
Uma terceira razão deriva, contudo, do padrão das exportações brasileiras. Ao passo que os asiáticos tiveram êxito em exportar manufaturas cada vez mais sofisticadas, a nossa pauta externa quase não mudou desde 1990, com as matérias-primas e alimentos mantendo-se em torno de 42%. Os únicos setores de crescimento significativo para os EUA nos últimos cinco anos foram os manufaturados baseados em recursos naturais (mais 12%) e as matérias-primas (11%): madeira, celulose, couro, compensados, papel, material de construção, ferro-gusa, aço, alumínio. Em compensação, as exportações mais nobres como automóveis e caminhões praticamente desapareceram da pauta e diminuíram radicalmente as de equipamento de telecomunicações, componentes eletrônicos, motores de automóveis, aviões.
Dessa forma, o desempenho exportador brasileiro é mais medíocre em volume e qualidade justamente nos mercados da América do Norte que serão nossos competidores mais temíveis no seio de uma eventual zona de livre comércio hemisférica.
Não é preciso esforço para demonstrar que, em condições normais, é sempre melhor negociar em âmbito multilateral do que regional. A razão é simples. Ao negociar com os EUA, por exemplo, as nossas concessões só nos abrem acesso ao mercado norte-americano. Com as mesmas concessões, se a negociação for multilateral na Organização Mundial do Comércio, ganhamos acesso aos 120 mercados dos membros da OMC.
Se assim é, por que então aceitar a negociação proposta pelos EUA? Das possíveis explicações, as três primeiras não se aplicam a nós: 1) quando o mercado americano concentra já grande parte das exportações, como para o México (85%, enquanto para o Brasil é 19%); 2) se qualitativamente ele absorve a maioria das exportações de alto valor agregado (o que está deixando de ser verdade); 3) se, tendo completado o ajuste econômico e liberalizado a economia, o país não necessita fazer grandes esforços adicionais e tudo é lucro (caso do Chile).
Restam duas hipóteses. A primeira, negativa, é o temor de ficar de fora e ser punido duplamente: perder terreno nos EUA para os concorrentes que aderirem e ser alijado dos mercados dos demais latino-americanos pelas exportações americanas favorecidas pela Alca.
A outra, de caráter positivo, é sermos capazes de obter, na negociação hemisférica, condições tanto de acesso ao mercado dos EUA como de aperfeiçoamento de normas comerciais superiores às atingíveis, no momento, no plano multilateral.
Não é impossível imaginar os requisitos para fazer com que a negociação valha a pena. Quais são essas condições será o tema do próximo artigo.

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