São Paulo, sábado, 29 de março de 1997 |
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SEGURANÇA MÍNIMA É difícil conter o espanto diante da sentença proferida pelo juiz Edmundo Lellis Filho, de Cotia, na Grande São Paulo. O magistrado negou o pedido de auxílio de acidente de trabalho ao metalúrgico Valdir Martins Pozza, que perdeu o movimento do dedo mínimo, alegando que este teria "muito pouca utilidade". O metalúrgico sofreu o acidente enquanto trabalhava. Limpava uma retificadora quando o rebolo, uma pedra que gira em alta velocidade, atingiu seu dedo. Pozzo foi à Justiça para receber a indenização prevista na lei. Ao recusar o pedido, o juiz argumentou: "Não é fato comprovado que sua capacidade de trabalho foi efetivamente diminuída pelo acidente, até porque o dedo lesado, 'mínimo', muito pouca utilidade tem para a mão e, por muitos estudiosos em antropologia física, é considerado um apêndice que tende a desaparecer com a evolução da espécie humana". Dois especialistas da USP ouvidos pela reportagem desmentem o juiz. Alegam que o dedo mínimo tem utilidade e que não vai desaparecer. A argumentação da sentença agride o bom senso. Chega a soar tão estranha que alguém desavisado poderia imaginar estar assistindo a uma peça do teatro do absurdo. O episódio, porém, é real e serve para ilustrar o descaso com que ainda são tratados no país os acidentes de trabalho. As estatísticas oficiais nessa área são precárias, e o próprio governo reconhece que as empresas evitam registrar os acidentes. Mesmo assim, os números disponíveis no Ministério da Saúde são preocupantes. De 94 para 95, o número de mortes registradas no trabalho cresceu 27%. A média de 9,3 mortes para cada 1.000 acidentes, obtida em 95, coloca o Brasil na mesma situação da Nicarágua. Nos EUA, a média é de 0,95 para cada 1.000 acidentes. Quando se fala em modernização da sociedade brasileira, é preciso não esquecer esses números. Caso contrário, ficaremos, como o juiz Lellis, no nível do devaneio retórico. Texto Anterior: SEM-MAIS O QUÊ? Próximo Texto: Capital barato, trabalho caro Índice |
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