São Paulo, domingo, 30 de março de 1997
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O que importa nas reformas

CELSO PINTO

Existe uma hierarquia na forma como o governo vem tratando as reformas estruturais diretamente proporcional a seu impacto sobre as contas do governo a curto prazo.
Das três, a que pode afetar mais as contas, especialmente de Estados e municípios, é a reforma administrativa. Na melhor das hipóteses, ela acabaria com a estabilidade quando os gastos com pessoal estivessem acima da Lei Camata, ou seja, de 60% da receita líquida. Criaria tetos para salários públicos e impediria aumentos indiretos.
Se aprovada, a reforma teoricamente poderia ter um impacto imediato. Na prática, lembra o economista Fábio Giambiagi, do BNDES, seria preciso aprovar leis complementares e encarar a realidade que 1998, um ano eleitoral, não combina com empenho no enxugamento da máquina pública.
A Secretaria do Planejamento calcula que a economia, no melhor cenário, ficaria entre 0,6% e 0,7% do PIB. A Confederação Nacional da Indústria calcula a economia entre 1% e 1,5% do PIB. Em qualquer hipótese, não é algo extraordinário nem resolve, por si só, a questão do equilíbrio fiscal.
Ainda menos relevante será o impacto a curto prazo da segunda reforma na hierarquia do governo, a previdenciária. O governo tem esperanças em aprovar a reforma administrativa ainda no primeiro semestre, mas admite que será difícil aprovar a reforma previdenciária até o final do ano. Se passar do terceiro trimestre, avaliam fontes do governo, ela acabará ficando para o próximo governo, em 1999.
Para os investidores internacionais, mais um adiamento na aprovação das reformas seria visto como a confirmação da negligência fiscal do governo FHC. Na vida real, contudo, a diferença não seria tão dramática.
Vários estudos, dentro e fora do governo, indicam que a Previdência caminha para a inviabilidade num prazo de dez a 15 anos. A curto prazo, contudo, ou seja, nos próximos quatro ou cinco anos, o peso da Previdência não deverá ser tão expressivo, sugere Giambiagi.
A principal razão é que três fatores que incharam fortemente os gastos com a Previdência no passado recente não deverão se repetir. O primeiro foi o aumento de 43% no salário mínimo em 1995, logo no início do governo FHC, quando a inflação, na margem, andava na casa dos 15% ao ano.
Como os benefícios da Previdência são atrelados ao salário mínimo, o estrago foi enorme. Supõe-se, contudo, que o governo tenha aprendido a lição e não repita o erro.
O segundo fator é a pressão extra sobre o sistema previdenciário no período entre 1991 e 1994, com a entrada dos trabalhadores rurais: nesse período, o número dobrou de 2 milhões para 4 milhões. O benefício foi previsto na Constituição de 1988 e o impacto ocorreu na primeira metade dos anos 90.
O primeiro impacto de absorção foi grande, mas, como parte da população que entrou no sistema é de bastante idade, a taxa de óbitos, a curto prazo, tende até a superar a taxa de novos benefícios concedidos. Foi isso o que aconteceu tanto em 1995 quanto em 1996.
O terceiro fator foi o "boom" registrado na aposentadoria de funcionários públicos em 1995 e 1996, pelo medo da reforma administrativa. Passada a onda maior de aposentadorias, tende a ocorrer o fenômeno oposto: muitos funcionários que se aposentariam neste ano e nos próximos já se aposentaram.
Nada disso elimina a importância da reforma previdenciária, mas relativiza o impacto de uma eventual não aprovação imediata.
Quanto à terceira reforma estrutural, a tributária, não está mais nem sequer na agenda do governo. A parte da reforma que tinha impacto a curto prazo foi aprovada: a eliminação do ICMS sobre as exportações. Outras medidas que podem ajudar as exportações também deverão tramitar fora da reforma, como a eliminação do Imposto sobre Serviços (ISS).
A reforma tributária que restou envolve racionalização e rediscussão da repartição de recursos nas três esferas, mas com o objetivo declarado de ser neutra em termos de aumento de receita. Algo talvez para engordar o programa para um novo mandato.

E-maill: CelPinto@uol.com.br

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