São Paulo, domingo, 30 de março de 1997
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Split põe banco, político e BC sob suspeita

SILVANA QUAGLIO; EMANUEL NERI
DA REPORTAGEM LOCAL

Apontado pela CPI como centro da lavagem do dinheiro desviado, empresário diz desconhecer esquema

Enrico Picciotto tem duas empresas de nome Split: a corretora de mercadorias Split e a distribuidora de títulos. Cada uma delas apareceu relacionada a dois episódios que envolveram desvio de dinheiro: o esquema Paubrasil e o escândalo dos precatórios (dívidas judiciais).
O Paubrasil foi montado para obter ilegalmente dinheiro de empresas para financiar as campanhas eleitorais de Paulo Maluf (PPB) em 90 e 92.
O segundo episódio é resultado das irregularidades na emissão e negociação de títulos municipais e estaduais para pagar precatórios. A fraude está sob investigação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Senado.
Picciotto, afirmou, em entrevista à Folha, que não existe conexão entre os dois casos e disse que não conhece Maluf pessoalmente.
No caso dos precatórios, a Split de Picciotto entrou no meio do processo, negociando títulos, diz.
O empresário afirma que para encontrar o dinheiro desviado é preciso olhar para as pontas onde estão "governadores, senadores, Banco Central, colocadores e compradores finais de títulos".
Comprou R$ 180 milhões de títulos de Pernambuco da empresa "fantasma", a IBF, de Ibraim Borges Filho. Na CPI, Borges Filho se declarou "laranja" do esquema.
Por essas e outras, a Split, aberta em 92, estava sob investigação do BC desde 1993, até a liquidação em fevereiro. E Picciotto foi denunciado ao Ministério Público pelo BC por crime do colarinho branco. Veja os principais trechos da entrevista concedida na quarta-feira:
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Folha - Reportagens da Folha mostraram uma coincidência entre dois esquemas montados supostamente para arrecadar dinheiro para campanhas eleitorais (Paubrasil e precatórios). Porque suas empresas aparecem nos dois esquemas?
Enrico Picciotto - Uma corretora recebe muitos cheques. Então teria que ser mudado o sistema e não poderia mais haver endosso de cheques. No caso Paubrasil, por exemplo, havia um universo de 2.000 cheques e três ou quatro cheques entraram na Split Corretora, não há um esquema. E não existe conexão entre as coisas.
Folha - O senador Roberto Requião (relator da CPI) disse que a Split é o centro da lavagem de dinheiro...
Picciotto - O que está ocorrendo é uma confusão entre Split Corretora de Mercadorias e a Split Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários. A Split distribuidora operou com títulos, o que é a função dela. E a corretora recebe muitos cheques de terceiros e emite muitos cheques para terceiros por ordem dos próprios clientes. É uma coisa normal de mercado.
Folha - Com isso o sr. tenta justificar cheques depositados em contas de empresas "fantasmas"?
Picciotto - Exato. Vocês mesmos estão falando que caíram quatro cheques na Paubrasil, mas isso veio por conta e ordem de um outro cliente que fez compra de ouro. Já depus sobre isso em 92 na Polícia Federal.
Folha - O sr. está dizendo que a sua corretora não tem controle sobre os cheques depositados?
Picciotto - Ela tem controle sobre os clientes dela, não os de terceiros. Isso é impossível. Eu já tive compras de ações de empresas de lojistas, que deram mil cheques.
Folha - Ficou comprovado que a IBF não funcionava para os fins para os quais foi criada...
Picciotto - Mas ela podia atuar porque tinha cadastro no Cetip (serviço privado de custódia e liquidação de títulos). E tinha um banco custodiante, o Dimensão.
Folha - Sim, mas a IBF era uma casa vazia. Não tinha mesa para operar no mercado financeiro. Não dava para desconfiar?
Picciotto - Eu não ficava na mesa de operações. Os operadores receberam várias vezes esse sr. Ibraim e o sr. Pedro Mammana. Eles ofertavam os papéis. A gente acha um novo comprador e ganha a comissão, é claro.
Folha - O sr. Ibraim assumiu na CPI que entregava cheques assinados em branco para a Split. Para onde iam os cheques?
Picciotto - Nunca houve cheques assinados em branco, pelo menos em poder da Split. Eu nem sabia quem era Ibraim, nem sabia de tudo isso que estava acontecendo. Mas tudo bem, porque eram favores que estavam sendo prestados a um cliente.
Folha - Mas e os cheques?
Picciotto - Ele pediu algumas vezes, pelo que agora eu constatei, para preencherem os cheques dentro da Split. Mas ele estava sempre lá no local. Os poucos cheques em branco que apareceram lá foram via Pedro Mammana, que a princípio era sócio de Ibraim.
Folha - O sr. tem idéia de para onde foi o dinheiro?
Picciotto - Porque tanta centralização no meio e não nas pontas dos processo, onde estão governadores, senadores, Banco Central, lançador das operações no mercado e o comprador final?
Folha - Nas pontas está o financiamento de campanhas?
Picciotto - Não faço a menor idéia. Pode até haver doações para campanhas, mas não eu não sei.
Folha - E as investigações do Banco Central? A Split está na mira desde 93.
Picciotto - Exato. O Banco Central detecta alguma coisa que acha que é uma irregularidade, abre um processo administrativo. Já abriu dois processos contra a Split Corretora e perdeu. Não conseguiu afastar os diretores.

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