São Paulo, domingo, 30 de março de 1997
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Luxo

de onde vem para onde vai

NELSON ASCHER
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Hans Magnus Enzensberger (Alemanha, 1929) é basicamente um "ex", ou melhor, dois: ex-vanguardista enquanto poeta e ex-marxista enquanto ensaísta. Aos trinta e poucos anos havia sido saudado, com admiração, por Theodor Adorno (o filósofo, não o gato de Cortázar) e, em 1968, foi em seu país o centro intelectual da revolta estudantil. Viveu em Cuba, com sua mulher (filha de uma poeta soviética), nos primórdios do regime castrista e, sobre a tentativa de invasão na Baía dos Porcos, escreveu um livro que nem se tivesse saída da pena do próprio Marx poderia ser mais ortodoxo. Por outro lado, numa língua em que os substantivos todos principiam com maiúsculas, ele insistia na caixa-baixa como marca registrada de seu vanguardismo.
Apaixonado, como convém aos revolucionários sociais ou literários, pelo que está em movimento, pela transformação, ele, ao contrário da maioria dos outros, continuou se transformando e, sempre em movimento, seu trabalho consiste principalmente em esmiuçar o que muda e, não raro, antecipá-las. Foi isso que lhe permitiu não só, por assim dizer, profetizar o colapso do "socialismo real", mas também prever os seus desdobramentos mais inesperados. Ora, sabe-se que nesse caso, aqueles que se julgavam especialistas fracassaram miseravelmente nas tentativas de previsão e, quando não se calam simplesmente, seguem fracassando nas de explicação. Pode-se, portanto, supor que o sucesso de Enzensberger deve-se precisamente ao seu elevado grau de exposição às ortodoxias, uma exposição que o inoculou em tempo contra a sedução de todo e qualquer sistema abstrato que dispense a realidade.
Sua poesia prima por deter-se pouco antes de postular uma conclusão genérica: se houver alguma em potencial, o autor deixa ao leitor sua consumação. Em sua prosa ele recorre ao paradoxo como instrumento privilegiado, buscando antes de mais nada a inconclusão.
O texto que o Mais! publica com exclusividade nesta edição (do livro "Zickzack", que sai neste mês na Alemanha) é o que os ingleses chamariam de "vintage Enzensberger". Ou seja, dos seus melhores, e se filia a uma sequência de estudos sobre como, de certa forma, a essência da sociedade contemporânea em particular e da modernidade em geral consiste em refutar prognósticos pessimistas ou otimistas e em contradizer as análises que se fundamentam não na observação, mas em doutrinas. Há poucos prazeres mais instrutivos na prosa contemporânea do que o de acompanhar o poeta enquanto ele pratica a sua arte favorita: observar.

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