São Paulo, domingo, 30 de março de 1997 |
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Luxo
HANS-MAGNUS ENZENSBERGER
Esta situação convida a uma retrospectiva. O impulso contra tudo que se chama luxo tem, de fato, um longo e venerável passado. Infindável é a série de filósofos e legisladores, de pregadores e demagogos que se declararam contra a opulência, a ostentação e o desperdício. A exemplo do objeto de seu zelo, também seus argumentos mudaram no correr do tempo. Quem quisesse debatê-los teria ante si o trabalho de toda uma vida de historiador, mesmo que desejasse circunscrever-se à vizinhança mais próxima. Já a proverbial educação espartana, no que diz respeito aos seus motivos e métodos, pouco tem em comum com as doutrinas dos cínicos; e, de novo, são temores totalmente outros que conduziram às leis de gasto e luxo, tão dracônicas quanto ineficazes, dos romanos. Savonarola queria entregar à fogueira das vaidades tudo o que não servia à salvação da alma; porém, os seus desígnios não eram, certamente, idênticos aos dos utopistas clássicos, que desejavam igualmente banir de seus diversos "Estados-Sol", sob ameaça das mais severas punições, tudo o que lhes parecia supérfluo. E assim por diante. Todavia, quanto mais as razões puramente religiosas e morais dos pregadores perdiam em fundo, mais clara se tornava, como um tema político, a crítica aos costumes dissipadores dos ricos e poderosos. Quando o Iluminismo pôs na ordem do dia o lema da igualdade, o luxo, ao que parece, tornara-se definitivamente um escândalo social. Exterminar a ele e a todos que lhe estavam à mercê tornou-se, então, um objetivo sob cuja bandeira lutaram os revolucionários. Não é fácil tomar pulso da longa polêmica que, assim, se deflagrou. Há, entretanto, um "locus classicus" em que se deixam fixar os seus principais argumentos. Trata-se da discussão sobre o luxo, travada na França dos séculos 17 e 18, na qual emergem quase todos os motivos que, desde então, dominaram o terreno. Já sob Henrique 4º, o duque de Sully exalta-se com a "corrupção das classes estamentais por obra do luxo e de todo o seu séquito -preguiça, torpor, concupiscência e desperdício"; com o fato de se gastar em excesso "com jardins suntuosos e palácios pomposos, as mais caras mobílias, ornatos de ouro e serviços de porcelana, com coches e cabriolés, festividades, licor e perfume". Até aí, sua crítica se atém às idéias imemoriais da pureza de costumes e suspeita de decadência, que já não eram estranhas aos romanos. Continua abaixo Texto Anterior: Luxo Próximo Texto: Luxo Índice |
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