São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 1997
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As guerras do automóvel

HELCIO EMERICH

"Cincoenta anos de trapaças, traições e ganância no mercado". Esse é o lado obscuro da história do automóvel que, na capa do seu livro "Car Wars" (Archade Publishing Inc, Nova York, US$ 24,60), Jonathan Mantle promete mostrar. O autor é um jornalista norte-americano que divide seu tempo entre a América, Europa e países asiáticos. Entre outros livros, escreveu a biografia de Andrew Lloyd Webber (o compositor do musical "Evita"), assim como a história do Lloyd's Bank, a lendária instituição financeira britânica.
Há cem anos havia na Terra não mais do que seis automóveis, todos experimentais. Hoje são cerca de 400 milhões de veículos e, se eles fossem colocados em fila com os pára-choques encostados uns nos outros, lado a lado numa rodovia de seis pistas, cobririam uma distância equivalente a oito vezes a volta ao mundo.
A indústria automobilística é o quarto maior negócio do planeta, emprega quatro milhões de pessoas e, segundo o jornalista, pode criar impérios, destruir economias, mudar o curso da história.
Mantle não é um eremita da sociedade motorizada (ele dirige um Volkswagen) nem renega a importância e as conquistas do setor automobilístico. Mas, como diz a orelha do livro, ao olhar pelo retrovisor o passado e os bastidores das grandes montadoras multinacionais e analisar o papel e o poder das figuras que comandaram esses conglomerados na segunda metade deste século, o autor faz revelações tão espetaculares que talvez muitos leitores não acreditarão no que estão lendo.
Só para dar a temperatura do livro, Jonathan Mantle começa por desmontar a versão histórica de que o automóvel mais famoso do mundo, o "besouro" da Volkswagen (o Fusca), tenha sido produto do gênio de Ferdinand Porsche. Quando foi exibido pela primeira vez no Salão do Automóvel de Berlim, em 39, com o estapafúrdio nome criado por Hitler de "Kraft-durch-Freude Wagen" ("Carro da força através da alegria"), o carrinho não passava de um projeto irresolvido de uma fábrica inacabada.
Hitler tinha uma antiga admiração pelo engenheiro-chefe de uma montadora de automóveis da então Tcheco-Eslováquia, Hans Ledwinka, que projetara um robusto carro com motor V-8 traseiro, refrigerado a ar, chamado Tatra (em 33, na sua campanha eleitoral para a chancelaria alemã, o futuro ditador nazista percorrera o país num elegante Tatra T-11). Ledwinka foi convidado pessoalmente pelo "führer" para desenvolver o desenho de um automóvel pequeno, baseado na concepção mecânica do carro tcheco.
Hitler recebeu o projeto (identificado pelo código V-570) e o repassou a Ferdinand Porsche, que concordou em assumir a paternidade da idéia (para o orgulho alemão, o "carro do povo" jamais poderia ter sido criado por um estrangeiro). Essa teria sido a verdadeira origem do Fusca.
Em 1938, com o Tratado de Munique, a cidade tcheca de Koprivinica, onde ficava a fábrica Tatra, foi incorporada ao Terceiro Reich, que se apossou das instalações, protótipos e patentes da montadora, desativando sua produção de veículos de passeio.
Nas próximas colunas, voltaremos ao livro com mais algumas histórias envolvendo outras marcas.

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