São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 1997
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Barbárie urbana

AUGUSTO MARZAGÃO

Uma revelação desconcertante de pesquisas recentes, no Brasil, é a de que o vandalismo urbano está sendo cada vez mais praticado por jovens da classe média, inclusive da classe média alta, como lembrou Antonio Ermírio de Moraes nesta Folha (23/3).
Tornou-se incompleta e simplista a interpretação de que a depredação do bem público corresponderia a uma reação de revanchismo de categorias marginalizadas da sociedade, sob o impulso da deseducação e da insensibilidade ética.
Indivíduos bem-postos na vida e presumivelmente educados passaram a engrossar a corrente dos inimigos da cidade civilizada. Também eles destroem, inutilizam, estragam, picham, ultrajam, furtam uma extensa lista de bens e equipamentos destinados ao uso e ao benefício da população, além de monumentos, prédios públicos e privados e tudo o mais que possa representar os melhores alvos para essas manifestações de gratuita violência.
Milhares de "orelhões" da Telebrás são destruídos a cada mês, e já agora não mais para o roubo de fichas telefônicas, pois a companhia passou a adotar o sistema de cartões. Somente em São Paulo, são aproximadamente 13.500 por mês, de um total de 138.843.
E a depredação acontece justamente onde o telefone público se torna mais necessário, compensando de alguma maneira o déficit de aparelhos residenciais e servindo a quem está na rua. Nenhuma campanha educativa das subsidiárias dessa estatal conseguiu, até agora, deter a fúria dos vândalos.
As placas de sinalização do trânsito, que servem ademais para evitar acidentes e salvar vidas, são sistematicamente atacadas, inclusive a tiros, até se tornarem ilegíveis e inúteis.
No caso dos trens e dos ônibus, como se não bastassem os estragos produzidos pelos vândalos no dia-a-dia, ainda são vítimas dos quebra-quebras em manifestações de protesto e greves. Na cidade de São Paulo, recentemente, várias estações ferroviárias foram reduzidas a frangalhos.
As pichações de prédios, muros, monumentos, escolas, igrejas etc., atualmente a cargo de gangues rivais voltadas para esse fim, constituem uma das facetas mais insuportáveis do vandalismo urbano.
É incrível que não haja um policiamento capaz de prevenir e reprimir essa praga, mesmo quando os pichadores cometem verdadeiros prodígios de ousadia na escolha dos seus alvos. Raramente se sabe de pichadores sofrendo alguma punição, o que se explica em parte por serem menores e acobertados pelas famílias. Nas capitais dos Estados, as polícias bem poderiam especializar-se na repressão a esse crime contra a cidade e o interesse coletivo.
Especialistas que estudam o comportamento patológico dos vândalos sempre encontram explicações teóricas para o fenômeno, porém não basta ficar na palavra dos psicólogos. É preciso agir.
Não há como aceitar o ataque simultâneo de criminosos e predadores, particularmente em cidades como São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro. A vocação turística dessas capitais e o fato de abrigarem frequentemente importantes eventos internacionais exigem cuidados especiais de preservação da ambiência urbana, da paisagem e dos serviços.
Não há como distinguir entre o vandalismo da pobreza e da marginalidade e o vandalismo diletante ou pervertido de elementos da classe média. Uns e outros convergem para os mesmos efeitos nefastos, e se impõe, então, que lhes barremos as tendências predatórias.
Vale considerar, inclusive, o grande prejuízo que atinge os cofres públicos e os orçamentos particulares. No primeiro caso, as despesas para corrigir os danos da violência saem dos bolsos de todos nós. Os vândalos agridem a cidade e ainda nos fazem de tolos, obrigando-nos a pagar a conta dos seus desatinos.

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