São Paulo, terça-feira, 1 de abril de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O balanço social das empresas

EVELYN BERG IOSCHPE

Betinho -o que provou ao Brasil que também o Brasil pode acreditar em si mesmo- acaba de lançar mais uma grande idéia: a do balanço social das empresas. O objetivo é dar transparência e, consequentemente, poder de emulação ao investimento social que as empresas vêm fazendo silenciosamente e num volume e qualidade crescentes.
A importância da iniciativa está em reconhecer esse novo ordenamento do processo social, em que o Estado se encolhe e abre espaço para que os cidadãos tomem parte da construção social.
Claro está que, se o Estado reconhecesse esse encolhimento e criasse as necessárias facilidades para transferir o ônus à sociedade civil, estaríamos diante de uma forte decisão pelo desenvolvimento social sustentado.
Do jeito que a coisa está, os empresários estão sendo duplamente taxados, quando, por exemplo, provêm atendimento de saúde com qualidade a seus empregados. E não é pequeno o contingente de empresas que praticam essa dupla taxação. Numa recente pesquisa em São Paulo, a metade dos empresários superpunha benefícios privados aos públicos.
Pois bem: os empresários, ou alguns empresários, decidiram apoiar também a comunidade com a qual interatuam. A equação é simples: a empresa busca na comunidade os recursos de que necessita para operar e tem hoje plena consciência de que, se essa comunidade não está aparelhada para a modernização que a empresa significa, se construirá um ruído intransponível em sua comunicação com o entorno.
O Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresa do Brasil) reúne 40 empresas-cidadãs (*) que vêm praticando sua responsabilidade social como uma madura decisão corporativa e, portanto, utilizando-se do mesmo know-how que faz com que sejam líderes.
Estimamos em US$ 300 milhões o volume alavancado por esse grupo, o que é uma cifra respeitável em qualquer lugar do mundo. Curiosamente, no entanto, nem essa cifra é o melhor indicador da importância do investimento social da empresa.
Assim como na história do vinhadeiro que reúne os filhos em torno do leito de morte para revelar o segredo de seu negócio: "Meus filhos, o que tenho a lhes dizer é que também de uva se faz vinho", assim os empresários do Gife poderiam dizer que é também com dinheiro que se faz o investimento social.
As empresas que tomaram a decisão de investir na melhoria comunitária estão rapidamente descobrindo o sucesso do negócio. Mercado, infelizmente, não falta: o déficit social só tem se acumulado, oferecendo toda sorte de oportunidades em educação, saúde, moradia, cultura e meio ambiente.
Não é, portanto, necessário gastar vultosas somas de marketing para abocanhar o seu "market share". Know-how todas as empresas de sucesso têm: tudo aquilo que elas usam para a gestão de seus próprios negócios, nas organizações da sociedade civil é necessário para tornar eficientes suas ações de atendimento à carência.
E mais: a empresa tem capacidade instalada para operar projetos próprios, que podem fazer toda a diferença do mundo entre um entorno dissipado por problemas sociais ou uma comunidade que constrói a si mesma.
Os exemplos são múltiplos e vão de um trabalho conjunto com a creche da região da empresa à implantação de escolas, ao "benchmarking" de hospitais e por aí afora.
É errônea a noção de que o empresário brasileiro ainda não despertou para a cidadania. Essa situação de anomia social que aí está o perturba como cidadão e o prejudica como empresário.
Estamos tateando nesse know-how específico, que é como transferir capacitação empresarial para a realidade social, mas avançamos -e muito rapidamente. A aldeia global faz com que modelos bem-sucedidos entrem no espaço virtual para serem apreendidos, replicados e aperfeiçoados.
O balanço social proposto tanto por Betinho quanto por Rubem César Fernandes, no Rio de Janeiro, vem sendo pensado igualmente por entidades que têm base em São Paulo, como o Gife, que já tem a primeira ponta do trabalho visível na Internet, mais exatamente em http://www.gife.org.br.
A iniciativa vai trazer a lume o quanto e, sobretudo (com o perdão da má palavra), o quão qualificado e modelar vem sendo esse trabalho silencioso.
Vendedoras de cosméticos no Amazonas captando recursos para projetos em favor da criança, funcionários voluntários de empresas ensinando a operar rentáveis padarias, banqueiros montando estratégia de relacionamento entre a creche e a associação de moradores da favela, empresários operando escolas técnicas para menores de rua em suas próprias plantas: apenas uma pálida idéia do que vem por aí.
Este país não quer mais precisar de campanhas de socorro para erradicar a fome e a vergonha. O Brasil quer mostrar que já sabe ajudar a si próprio, estabelecer metas possíveis e cumpri-las, adotando uma agenda social que governo algum poderá deixar de apoiar.

* Fundação Abrinq, Acesita, Bradesco, Brascan, Cargill, Clemente Mariani, Educar, Esquel, Ford, Feac, Iochpe, Jaime Câmara, José Elias Tajra, José Silveira, Kellogg, Macarthur, Maurício Sirotsky Sobrinho, Santista, O Boticário, Orsa, Odebrecht, Patrícia Buildner, Projeto Pescar, Roberto Marinho, Romi, Rômulo Maiorana, Varga, Victor Civita, Instituto Abrasso, Alfa-Real, Ayrton Senna, Alcoa, Ashoca, C&A, Equatorial, Herbert Levy, Itaú, Vitae. Empresas: IBM e Xerox.

Texto Anterior: Cruzadas e reformas
Próximo Texto: CPI errada; Precatórios; Bola de neve; Rádios comunitárias; Comprovação; Retrato do caos; Solidariedade; Convite; Jabor
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.