São Paulo, quarta-feira, 2 de abril de 1997
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ENCONTRO DOS EXTREMOS

Já se acreditou na evolução humana somente por meio da ciência, como se o misticismo fosse apenas um erro de infância da humanidade.
Hoje é necessário constatar não apenas que cientificismo e misticismo convivem em sociedades tecnologicamente avançadas. Em alguns casos, eles influenciam-se mutuamente, com resultados chocantes.
Dois exemplos recentes ilustram a radicalização desses caminhos, que seriam, em tese, incompatíveis.
A tecnologia da clonagem reacendeu uma miríade de promessas genéticas fantasiosas. Há possibilidades científicas relevantes, como nas aplicações à agroindústria. Mas há o folclore da obtenção de "outras vida" pela reprodução sucessiva da sequência genética de um indivíduo.
Como no caso de pessoas que se congelam -na expectativa de "acordarem" uma vez descoberta a cura de um mal ou apenas para viverem mais-, a clonagem alimenta esperanças de superação da morte.
Já no episódio da seita "Heaven's Gate", que não é a primeira a patrocinar um suicídio coletivo, os membros do culto, vários deles fãs da série "Jornada nas Estrelas", falavam sobre a obsolescência dos nossos "veículos" (nossos corpos). Chegaram a comparar a morte à troca do carro velho por um modelo novo.
Em termos culturais, um aspecto surpreendente nos dois fenômenos (engenharia genética e suicídios místicos) é que, apesar de estarem em extremos opostos da experiência humana (ciência e misticismo), ambos possivelmente contaminem-se.
A ciência reforça uma expectativa de "outra vida" que, afinal de contas, tem também um fundo místico. E o misticismo suicida apóia-se numa versão "ficção científica" de ressurreição, aliás até bastante materialista, uma vez que tudo se resume a fazer baldeação entre "veículos".
Diz-se que os extremos muitas vezes se tocam. Parece que esse é um caso. Evitá-lo é o maior desafio, sabendo-se que cientistas e místicos afinal de contas sempre existirão.

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