São Paulo, sexta-feira, 4 de abril de 1997
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Uma medida, dois efeitos

CELSO PINTO

A restrição ao financiamento das importações terá dois impactos previsíveis: sobre as compras externas e sobre o mercado de dólares. O que é bom para um pode ser ruim para o outro.
A medida será plenamente eficaz para conter as importações se todos os importadores que financiavam suas compras a menos de 360 dias deixarem de importar. Neste caso, contudo, à medida que forem vencendo os créditos que haviam tomado no passado para financiar importações, terão que repagá-los.
Uma análise do banco ING sugere que, nesse caso, US$ 20 bilhões em créditos comerciais teriam que ser pagos nos próximos 12 meses. O que significaria uma forte pressão sobre o mercado de dólares e uma expressiva perda de reservas.
Existem, contudo, duas alternativas para atenuar o impacto da medida. Uma seria o importador continuar a comprar usando créditos de 180 dias no exterior. Neste caso, ele terá que remeter os dólares à vista mas, se tiver porte, poderá usar um empréstimo em reais, no Brasil, para cobrir a diferença dos 180 dias. O cálculo, citado na coluna de ontem, é que, para 180 dias, o custo adicional poderia ficar em torno de 4% ou 5%, algo que poderia ser repassado para o custo final, absorvido da margem de lucro, ou um pouco dos dois.
Neste caso, as importações cairiam pouco. O impacto sobre o mercado de dólares, contudo, não seria desprezível. O importador não teria que repagar suas linhas de crédito externas, mas teria que comprar os dólares à vista para remetê-los. Quanto mais importasse, maior seria a pressão de compra de dólares.
A terceira hipótese seria o importador conseguir ampliar o prazo de seu financiamento para mais de 360 dias. Neste caso, ele não estaria obrigado a remeter os dólares à vista e, portanto, não haveria qualquer impacto sobre o mercado de dólares. Na verdade, até melhoraria o perfil do financiamento externo, pelo alongamento do prazo. No entanto, também seria nulo o efeito da medida sobre as importações.
Na prática, o impacto deverá ser uma mistura das três alternativas. O diretor da Área Externa do BC, Gustavo Franco, disse à coluna que espera que, em muitos casos, o prazo do financiamento das importações seja alongado para mais de 360 dias.
O fato de a agência de avaliação de risco Standard & Poors (S&P) ter decidido subir mais um grau na avaliação do Brasil ajudaria, segundo Franco, a abrir mais portas de financiamento de longo prazo. Por exemplo, de algumas agências oficiais de crédito, embora a S&P ainda mantenha o Brasil abaixo do chamado "investment grade", o nível a partir do qual se considera baixo o risco de investimentos.
Apesar de apostar na extensão do prazo de financiamento, Franco acha que a medida terá um "impacto significativo" sobre o valor das importações, de "alguns bilhões", que ele prefere não quantificar. Bem, mas neste caso, então, haveria uma pressão sobre o mercado de dólar?
"Sim e não", responde Franco. Parte da pressão sobre as reservas cambiais ele acha que poderá ser compensada por outras contas.
Franco acha que não há contradição entre a tranquilidade com que sempre encarou os déficits externos e a medida de contenção. Ele diz que seu argumento sempre foi que, mesmo que o déficit chegasse a US$ 15 bilhões neste ano, isso não significaria "que o país caminha para o precipício". O que, diz ele, "não quer dizer que chegar a um déficit de US$ 15 bilhões seja desejável, confortável, ou que o governo vai deixar que aconteça".
Ele diz também que a discussão sobre o fato de o BC ter deixado o dólar encostar no teto da minibanda veio apenas do "pânico" de bancos que especularam no mercado futuro de dólar, apostando que o BC iria entrar para segurar a cotação no final de março. Ele jura que o BC jamais insinuou que faria isso, embora mais de um banco no mercado jure ter ouvido exatamente isso do BC.
A cotação do real dentro da minibanda ficará onde o mercado a colocar, promete Franco. O BC, no passado, só interveio pontualmente para "desfazer operações especulativas" e este continuará a ser o critério.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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