São Paulo, sexta-feira, 4 de abril de 1997 |
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Ken Loach requenta "Terra e Liberdade"
INÁCIO ARAUJO
Em "Uma Canção para Carla", seu mais novo trabalho, George, um chofer de ônibus escocês, troca seu país pela Nicarágua, o país de Carla, garota cuja vida salvou, quando ela estava no exílio. A semelhança estrutural é incômoda e não favorece o filme mais recente. A Espanha foi um momento crucial do século, não só pelas paixões que envolvia como pelo formidável caldeirão de idéias que reuniu (socialistas, anarquistas, monarquistas etc.). "Uma Canção para Carla" resume-se ao enfrentamento entre sandinistas e contras, com ênfase na hipótese de esses últimos serem financiados e equipados pela CIA. Aceite-se a premissa (no mais, verossímil). Mas, já de saída, o alcance é menor. Na Nicarágua de "Carla" rolam muito menos idéias do que na Espanha. Há só mais miséria. A proverbial miséria latino-americana. O próprio Ken Loach parece concordar com isso. Tanto que se preocupou em colocar no centro da trama a história de amor entre George e Carla. Mas é um amor de conveniência. Não para os amantes, mas para Loach. Quando George dispõe-se a seguir Carla à Nicarágua, abre-se a possibilidade para o diretor de mostrar o sofrimento do povo nicaraguense. Um sofrimento atroz (como o de todo povo em guerra). Mas, como pobreza e sofrimento não ajudam necessariamente a fazer um bom filme, Loach acaba usando a história de amor como "plot": é a partir dela que se vê a guerra civil. Com isso, o filme ficou um pouco embolado, indeciso entre amor e ideologia. E terminou por não desenvolver o que tinha de potencialmente mais interessante e que é sugerido na primeira parte: a atração dos europeus (ou de alguns europeus) pela América Latina. O encanto que existe no filme está na maneira como o escocês idealiza Carla e, em seguida, a Nicarágua. Quando somos confrontados à Nicarágua propriamente dita, temos um quadro brutal e, no entanto, convencional. Seria possível até imaginar outro filme: George na Escócia, sentindo sua própria terra como exílio e a paz como disfunção -em função da ausência da amada. Claro, este não seria o filme de Ken Loach. Mas evitaria o inconveniente de ser um "Terra e Liberdade" requentado. Filme: Uma Canção para Carla Produção: Inglaterra, 1996 Direção: Ken Loach Com: Robert Carlyle, Oyanka Cabezas Quando: a partir de hoje, no cine Belas Artes - sala Aleijadinho Texto Anterior: QUEM É QUEM Próximo Texto: Moreau é o único atrativo do invertebrado 'O Regresso' Índice |
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