São Paulo, sexta-feira, 4 de abril de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ken Loach requenta "Terra e Liberdade"

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Em "Terra e Liberdade" (1995), de Ken Loach, um grupo de ingleses ia à Espanha participar da guerra civil.
Em "Uma Canção para Carla", seu mais novo trabalho, George, um chofer de ônibus escocês, troca seu país pela Nicarágua, o país de Carla, garota cuja vida salvou, quando ela estava no exílio.
A semelhança estrutural é incômoda e não favorece o filme mais recente. A Espanha foi um momento crucial do século, não só pelas paixões que envolvia como pelo formidável caldeirão de idéias que reuniu (socialistas, anarquistas, monarquistas etc.).
"Uma Canção para Carla" resume-se ao enfrentamento entre sandinistas e contras, com ênfase na hipótese de esses últimos serem financiados e equipados pela CIA.
Aceite-se a premissa (no mais, verossímil). Mas, já de saída, o alcance é menor. Na Nicarágua de "Carla" rolam muito menos idéias do que na Espanha. Há só mais miséria. A proverbial miséria latino-americana.
O próprio Ken Loach parece concordar com isso. Tanto que se preocupou em colocar no centro da trama a história de amor entre George e Carla.
Mas é um amor de conveniência. Não para os amantes, mas para Loach. Quando George dispõe-se a seguir Carla à Nicarágua, abre-se a possibilidade para o diretor de mostrar o sofrimento do povo nicaraguense. Um sofrimento atroz (como o de todo povo em guerra).
Mas, como pobreza e sofrimento não ajudam necessariamente a fazer um bom filme, Loach acaba usando a história de amor como "plot": é a partir dela que se vê a guerra civil.
Com isso, o filme ficou um pouco embolado, indeciso entre amor e ideologia. E terminou por não desenvolver o que tinha de potencialmente mais interessante e que é sugerido na primeira parte: a atração dos europeus (ou de alguns europeus) pela América Latina.
O encanto que existe no filme está na maneira como o escocês idealiza Carla e, em seguida, a Nicarágua. Quando somos confrontados à Nicarágua propriamente dita, temos um quadro brutal e, no entanto, convencional.
Seria possível até imaginar outro filme: George na Escócia, sentindo sua própria terra como exílio e a paz como disfunção -em função da ausência da amada.
Claro, este não seria o filme de Ken Loach. Mas evitaria o inconveniente de ser um "Terra e Liberdade" requentado.

Filme: Uma Canção para Carla
Produção: Inglaterra, 1996
Direção: Ken Loach
Com: Robert Carlyle, Oyanka Cabezas
Quando: a partir de hoje, no cine Belas Artes - sala Aleijadinho

Texto Anterior: QUEM É QUEM
Próximo Texto: Moreau é o único atrativo do invertebrado 'O Regresso'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.