São Paulo, sexta-feira, 4 de abril de 1997
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Livro analisa a "culpa" de John Waine e do faroeste

MOLLY HASKELL
DE "THE NEW YORK TIMES REVIEW OF BOOKS"

Conheço um estudioso do classicismo, também cinéfilo, que costuma pontuar suas conferências sobre Homero e Virgílio com referências cinematográficas espirituosas e variadas. Mas jamais ocorreria a ele considerar o faroeste o herdeiro lógico da "Ilíada" e da "Eneida". Ele é, e maliciosamente admite, "um esnobe".
A seu mérito e a serviço de nossa instrução, Garry Wills, extraordinário polímato, não é um esnobe. Possui a qualidade rara de rejeitar a limitação das categorias de importância.
Tão confortável às voltas com a retórica de Cícero como diante dos paradoxos do presidencialismo e dos arcanos de obscuros faroestes hollywoodianos da década de 1920, exibe toda a sua erudição para retratar John Wayne como um símbolo da masculinidade para gerações de norte-americanos.
Wayne, diz ele, é uma figura elegíaca que domina uma fronteira idealizada.
Mas será possível convencer a "elite de nossa sociedade" a superar seus preconceitos pelo tempo necessário para ler e se deixar convencer por "John Wayne's America" ("A América de John Wayne")?
E, do outro lado, os "wayneólatras" acríticos quererão ter suas ilusões destroçadas pelas discrepâncias entre a postura pública do herói e o homem privado? Porque estes saberão, lendo Wills, que Wayne "detestava cavalos, estava mais acostumado a ternos e gravatas do que a jeans... e tinha de fazer força para se lembrar de dizer "ain't"; que era um alpinista social; e que o falcão "que conclamou outras gerações a sacrificar suas vidas, e chamou de 'fracos' os que se recusaram", era o mesmo homem que na década de 40 habilmente conseguiu escapar de servir na Segunda Guerra Mundial.
Wiils propôs uma tarefa perversa: resgatar Wayne tanto de seus idólatras como de seus detratores e desiludir os conhecedores de cinema sobre alguns mitos.
O primeiro e o último capítulos funcionam como ensaios independentes que iluminam o fenômeno John Wayne de todos os ângulos imagináveis. O livro oferece "insights" e revelações fascinantes.
Wills transforma em espantalhos até mesmo aqueles que poderiam ser seus aliados naturais. Assim, acusa os "críticos cinematográficos sérios" de darem atenção real apenas a "Stagecoach" ("No Tempo das Diligências") e a "The Searchers" ("Rastros de Ódio").
Ele compreende que o faroeste permite variações infinitas do mito. Afirma: "O faroeste consegue suscitar profundas questões morais porque lida com o choque entre sistemas sociais diferentes. A tecnologia que é a amiga do homem branco transforma-se em inimiga à medida que ondas exploratórias chegam e se sobrepõem a ondas precedentes."
Wills está sempre atento às maneiras pelas quais os astros funcionam como imãs de nossos sentimentos. Neste livro ficamos com a impressão de que é culpa de Wayne o fato de que tantos homens e garotos foram para o Vietnã e nunca mais voltaram.

Livro: John Waine's America
Autor: Garry Wills

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