São Paulo, sexta-feira, 4 de abril de 1997
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Evento mostra força do documentário

INÁCIO ARAUJO
DA REDAÇÃO

Um pequeno documentário em vídeo, com poucos minutos de duração, é o bastante para entender o alcance do 2º Festival Internacional de Documentários - É Tudo Verdade, que começa hoje no Rio e segunda em São Paulo.
Esse pequeno documentário não está no festival organizado pelo crítico de cinema e articulista da Folha Amir Labaki. Foi exibido há dias no "Jornal Nacional" e mostrava cenas de uma chacina policial, precedida por espancamento e tortura. É em torno dessas cenas que gravita o imaginário nacional nos últimos tempos.
Seria o suficiente para desmentir a idéia do filme documentário como um aborrecido registro da realidade, desprovido de ação, dramaticidade e interesse.
Há alguns anos, no mais, a grande estrela deste festival -o francês Marcel Ophuls- provocou comoção parecida na França, com seu "A Dor e a Compaixão" (1971).
O filme, produzido pela televisão, levou anos até ser exibido em TV. O que se viu nas salas, porém, bastou: o cineasta foi à cidade de Clermont-Ferrand para passar em revista o que foram os quatro anos do governo colaboracionista do marechal Pétain, durante a Segunda Guerra Mundial.
Ophuls remexeu um tabu francês. Até então, a França vivia sob o mito instaurado pelo gaullismo: um país ocupado e com colaboracionistas ligados aos nazistas, mas, substancialmente, uma nação resistente.
É ao longo das entrevistas com resistentes, colaboracionistas e "maioria silenciosa" que Ophuls vai montando um painel bem diferente da imagem que a França alimentava de si mesmo.
É chocante ver um "homem comum" dizer algo como "os terroristas, ou melhor, os resistentes" -ato falho significativo. É patético ver um grupo de artistas franceses embarcando para Berlim -imagem de um cinejornal da época.
Ophuls voltou ao tema duas vezes. Em "A Memória da Justiça" (1975), para examinar o julgamento de Nuremberg. Depois, em "Hotel Terminus" (1988), que tem como centro as atividades de Klaus Barbie, chefe da Gestapo em Lyon, durante a Ocupação.
Por fim, levou sua câmera à ex-Iugoslávia em "Os Problemas que Temos Visto" (1994). Foi munido de um princípio (o de que a primeira vítima de uma guerra é a verdade) e de uma constatação estarrecedora: depois de tudo que aprendemos com o nazismo sobre "purificação racial", a humanidade observa a mesma coisa acontecer outra vez, com passividade mais ou menos idêntica.
Também não haverá motivo para tédio ao ver "O Velho", que conta a trajetória de Luiz Carlos Prestes. O que significa, em grande parte, reencontrar a história brasileira do século 20.
Prestes foi líder tenentista, comandou a Coluna Prestes, aderiu ao comunismo nos anos 30, foi vítima e, mais tarde, aliado de Getúlio Vargas, senador. Passou décadas no exílio. Morreu em 1990, aos 92 anos.
Não são histórias de provocar bocejos, como é improvável que seja "Entrada para a Paz Celestial", em que Richard Gordon e Carma Hinton documentaram o célebre massacre da praça da Paz Celestial, Pequim, em 1989.
Outros filmes endereçam-se a platéias mais especializadas. Os cinéfilos, para começar, serão contemplados com "Kieslowski por Kieslowski", de Krzysztof Wierzbicki, que passa em revista vida e obra do cineasta polonês Krzysztof Kieslowski, tomando como base uma entrevista do diretor (morto em 1996) a seu assistente.
A etnologia, outro território privilegiado do cinema documental, está em "O Povo Mexicano que Caminha", de Juan Francisco Urruti, sobre a adoração da Virgem de Guadalupe. Ou em "Ensopado de Awara", de Cesar Paes, que trata da convivência entre descendentes de brasileiros, indianos e africanos na Guiana.
O documentário, gênero-chave do início do cinema, entrou em baixa desde, pelo menos, o aparecimento da TV. Curiosamente, num tempo em que a alta tecnologia domina a indústria, sua importância voltou a se manifestar.
Não será por acaso que este ano duas das maiores estrelas da entrega do Oscar foram os pugilistas Muhamad Ali e George Foreman, personagens centrais de "When We Where Kings".
Isso se deve, em parte, à incorporação do esporte ao espetáculo. Mas também à importância que adquire a documentação cinematográfica num universo dominado pela imagem.

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