São Paulo, sexta-feira, 4 de abril de 1997
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Clitóris vira sucesso editorial na Argentina

RODRIGO BERTOLOTTO
DE BUENOS AIRES

O livro "O Anatomista", do argentino Federico Andahazi, está gerando polêmica e rótulos que o escritor rechaça, mas também lucros que não imaginava.
A polêmica começou quando a milionária argentina Amalia Fortabat soube que a obra ganhadora do tradicional prêmio que leva seu nome -dado a Andahazi no ano passado- falava sobre a descoberta do clitóris.
Fortabat cancelou a festa de entrega e destinou US$ 15 mil para a casa de Andahazi, que antes havia retirado sua obra de outras competições literárias.
"A obra premiada não exalta os valores mais elevados do espírito humano, finalidade deste concurso", dizia o comunicado da Fundação Fortabat.
"O escândalo me prejudicou, porque meu livro ficou tachado de erótico e porque os outros escritores ficaram do lado de Fortabat, negando-me apoio", disse Andahazi em entrevista à Folha.
Por outro lado, "O Anatomista" chegou às livrarias argentinas no mês passado e já lidera o ranking de vendas.
Na semana passada, a venda dos direitos de publicação em inglês atingiu o recorde para um livro de estréia: US$ 200 mil.
Nada mal para um psicólogo freudiano de 33 anos que decidiu escrever uma ficção sobre um personagem real: Mateo Colombo, médico renascentista que catalogou pela primeira vez o órgão do prazer sexual feminino. Andahazi recebeu a Folha para a entrevista que se segue.
*
Folha - O escândalo ajudou nas vendas do livro?
Federico Andahazi - Não. O sucesso nas livrarias mostra que ele não precisou do escândalo, que foi apenas um gesto de prepotência.
Folha - Quando escrevia imaginava essas consequências?
Andahazi - Honestamente, não. Só tinha o pressentimento que seria minha primeira obra publicada (ele já escreveu dois romances).
Folha - Em que gênero pode ser colocado "O Anatomista"?
Andahazi - Não gosto de falar em gênero e subgêneros. O livro não é erótico, longe disso. Seu objetivo é fazer uma ironia a vários produtos da ciência e filosofia. Por isso, decidi que Mateo Colombo teria uma voz parecida com a de Descartes, que parte de idéias filosóficas e, usando a lógica, termina na anatomia, afirmando que a alma reside entre os ossos do crânio.
Folha - Como surgiu a idéia de escrever sobre Mateo Colombo, o descobridor do clitóris?
Andahazi - O romance surgiu por acaso, como acontecem com muitos livros. Eu estava trabalhando em outra história, ambientada em nossa época, e necessitava um dado anatômico. Consultei uma médica, ela me deu o livro "História do Corpo Humano", no qual encontrei a notícia que havia existido um Mateo Colombo. Sua figura e sua analogia com Cristóvão Colombo me fizeram ver que havia uma novela em potencial. Acabei esquecendo qual era o romance anterior.
Folha - A partir daí, houve um trabalho intenso de pesquisa?
Andahazi - Não há quase nada escrito sobre Mateo Colombo, que foi um médico importante do Renascimento: ele descobriu a circulação sanguínea e atendia um Papa. Mas isso foi bom, porque pude acrescentar meu trabalho de ficcionista para recriar o personagem.
Folha - Como é para um psicólogo fazer literatura?
Andahazi - Freud é uma influência, principalmente suas primeiras obras, mas também Jack London. O ato de escrever é a única coisa organizada em minha vida, que é muito caótica. Prefiro escrever em lugares ruidosos, como bares ou restaurantes. O silêncio e leves ruídos, como o ranger de uma cadeira ou o vôo de uma mosca, me incomodam. Também perturbo meus amigos, que têm de ler cada página que faço.

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