São Paulo, sexta-feira, 4 de abril de 1997
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Livro mostra a "oficina" do escritor

'Writer's Desk' flagra 56 autores

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A fotógrafa norte-americana Jill Krementz flagrou 56 escritores de primeiro time em sua mesa de trabalho. O resultado está no livro "The Writer's Desk" (A Escrivaninha do Escritor), recém-lançado nos EUA pela Random House.
As fotos reunidas no volume foram feitas ao longo dos últimos 30 anos, e os autores fotografados são, em sua maioria, norte-americanos, embora apareçam também europeus e um único latino-americano, Pablo Neruda.
Acompanha cada foto um pequeno depoimento do escritor fotografado. A galeria de instantâneos revela muito sobre a personalidade de cada autor: escrivaninhas abarrotadas e caóticas como as de Piaget e Dorothy West contrastam com o despojamento monástico da mesa de Archibald MacLeish ou a organização quase doentia da de Simenon.

A primeira coisa que salta aos olhos quando se folheia "The Writer's Desk" é a diversidade virtualmente infinita de atitudes dos escritores diante do seu trabalho.
É gritante o contraste, por exemplo, entre o esportivo Stephen King -que escreve de tênis, com a cadeira reclinada e os pés sobre a escrivaninha- e o austero P.G. Wodehouse, cuja velha máquina Royal combina com o modelo antiquado de terno e os óculos de fundo de garrafa e aro grosso.
Nem todos usam propriamente mesas ou escrivaninhas. William Buckley Jr. dita seus textos a um Dictaphone enquanto trafega no banco de trás de seu carro pelas ruas de Nova York, com o cachorrinho ao lado.
A jovem Veronica Chambers batuca em seu "laptop" sentada em posição de lótus sobre uma bancada de cozinha.
Aparentemente mais esperto é o autor de policiais Ross Macdonald, que estendeu uma tábua sobre os dois braços de sua poltrona mais confortável e escreve à mão sobre ela.
Um dos elementos mais eloquentes das fotos são os "objetos de cena". Alguns deles são quase fetiches, imediatamente associados a seus donos/autores. Na mesa de Georges Simenon aparecem, meticulosamente perfilados, uns 20 cachimbos -a "marca registrada" do escritor belga.
Diante de Eugene Ionesco, vemos a miniatura de um rinoceronte, animal que dá nome à famosa peça escrita pelo dramaturgo romeno em 1959.
Na mesa de Pablo Neruda em Paris -verdadeira escrivaninha de burocrata do partido- desponta uma bandeirinha do Chile.
Os animais de estimação não ficaram de fora. Como observa John Updike em seu prefácio para o livro, os cães aparecem mais que os gatos, na proporção de dois para um.
Entre os escritores que não dispensam a companhia canina estão Buckley Jr., Stephen King, Amy Tam, Ross Macdonald e Joseph Heller.
Mais inverossímeis são os casos dos escritores que trabalham tendo ao lado os filhos pequenos. Cathleen Schine digita em seu "laptop" numa mesinha ao lado da cama enquanto conversa com o filho de uns 8 anos.
George Plimpton, editor da célebre "The Paris Review", batuca em sua velha máquina enquanto seus dois filhos gêmeos sugam mamadeiras deitados no chão às suas costas.
No capítulo das esquisitices, merecem destaque os que escrevem em pé, como a jovem afro-americana Rita Dove e o Prêmio Nobel Saul Bellow.
Outra ganhadora do Nobel, Toni Morrison, escreve à mão sobre o colo, sentada num sofá. Richard Ford estende suas longas pernas sobre uma velha carteira de escola primária.
Se os cachimbos são privilégio de uns poucos, como Piaget e Simenon, os cinzeiros repletos de bitucas de cigarros aparecem em mais da metade das fotos, assim como os copos de café e de outras bebidas menos identificáveis (as mais suspeitas são as de Terry Southern e Tennessee Williams).
Dicionários abertos, jornais desarrumados, papéis esparsos, blocos de anotações compõem a paisagem mais comum desses escritórios.
Mas só na escrivaninha do atormentado William Styron aparece uma relíquia digna de um autor do século 19: uma lupa.
Como diz o escritor John Updike em seu prefácio, não sem uma pitada de auto-ironia, devassar essas oficinas de escritores é como espionar as alcovas de cortesãs famosas.

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