São Paulo, domingo, 6 de abril de 1997
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"Desburocratização"

OSIRIS LOPES FILHO

Um processo de desburocratização que se desenrolava, há muito tempo, nos esgotos do poder, de tanta acumulação de ações, afinal aflorou, merecidamente, à superfície.
Trata-se da implantação no país da pena de morte. Alguns governos estaduais conseguiram fazê-lo com sucesso. Rio de Janeiro, São Paulo e Pará, com o protagonismo da Polícia Militar, introduziram a aplicação da pena de morte informalizada, sem participação do Judiciário.
Pena de morte expedita, desburocratizada. Sem a angústia do corredor da morte dos americanos, sem advogado para atrapalhar, sem a demora típica da garantia do direito de defesa, que o Judiciário valoriza.
Falando em Judiciário, aí se situa um outro campo da atuação do governo federal. A técnica utilizada é mais sofisticada. Nada de solução final. Há um gradualismo acadêmico na execução. O método é cirúrgico: castração.
Procura-se melhorar a eficácia das ações do Executivo. Para fazê-lo, o modelo adotado é transformar o Judiciário em apêndice do Executivo. Capar-lhe a autonomia, levando-o a atuar em unidade com o Executivo.
O mais recente episódio da destruição da virilidade do Judiciário foi a edição de medida provisória nº 1.570, de 26.03.97. Com essa MP cuidou-se de retirar do juiz a faculdade de conceder a tutela antecipada, mecanismo modernizante adotado durante o governo Itamar Franco, que possibilita ao magistrado, a pedido da parte, adiantar, total ou parcialmente, o atendimento do solicitado no pedido inicial da ação, desde que houvesse prova inequívoca do seu direito e o convencimento da possibilidade do pleiteado. O juiz poderia antecipadamente deferir o que se obteria apenas com a decisão final no processo.
Para isso, haveria de atender a requisito alternativo: "fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação" ou que ficasse "caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu".
Essa MP objetiva exatamente impedir seja deferida a tutela antecipada em benefício dos servidores públicos, em matéria já decidida pelo Supremo Tribunal Federal.
Altera-se a norma jurídica para atender à política governamental de arrocho. Fez bem o juiz Tourinho Neto, do TRF de Brasília, em denunciar o uso abusivo e aético das MPs. É hora de se resistir à tentativa de amordaçamento.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 57, advogado, é professor de Direito Tributário da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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