São Paulo, terça-feira, 8 de abril de 1997
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Laboratório vende kit abortivo na Internet

MARCOS PIVETTA

MARCOS PIVETTA; AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Produto de firma norte-americana pode ser adquirido com cartão de crédito na rede mundial de computadores

O laboratório americano Contraceptive Technologies está anunciando na Internet -em português, inglês e espanhol- a venda de um kit abortivo por US$ 150.
Na embalagem do produto, a empresa diz que o kit se destina a gestantes em início de uma gravidez ectópica (quando o embrião se desenvolve fora do útero).
O kit substituiria a cirurgia para interromper esse tipo de gravidez, procedimento legal e necessário. No estudo científico que cita, no entanto, o laboratório atribui ao kit uma grande eficácia como droga abortiva em gravidez normal.
"Trata-se claramente de um kit para aborto", diz o obstetra Julio Elito Júnior, da Escola Paulista de Medicina. Para o diretor do serviço de obstetrícia do Hospital Ipiranga, José Antonio Jordão Araujo, defensor da legalização do aborto, a combinação das drogas é abortiva para gravidez normal.
"A venda pela Internet vai permitir que o país volte a discutir a questão", afirmou. Segundo profissionais que trabalham com direitos reprodutivos, o uso de drogas adequadas vem reduzindo a mortalidade materna em decorrência de abortos clandestinos.
Chamado de Resolve Easy, o kit mistura dois medicamentos -o misoprostol, base do remédio para úlcera Cytotec, e o metotrexato, usado no combate a cânceres.
A empresa recomenda o produto para gravidez ectópica de até 8 semanas. Compõem o kit uma ampola, dois aplicadores vaginais e uma tabela circular (para contar os dias da menstruação).
Num português que mistura palavras em inglês e espanhol, a empresa chega a garantir que o Resolve Easy é "superior à pílula francesa RU-486", a chamada pílula do dia seguinte, que pode ser tomada um dia após a ato sexual e, ainda assim, impedir a gravidez.
Numa atitude contraditória, a Contraceptive diz que ninguém deve usar o kit sem acompanhamento médico, mas ensina passo a passo como utilizar o produto.
O kit pode ser pedido por fax ou e-mail (correio eletrônico que envia mensagens pela Internet) e pago com cartão de crédito.
Na ficha de pedido do kit, não há nenhuma alusão à necessidade de ter uma receita médica para comprar o produto. A única informação médica pedida sobre o comprador é o seu peso.
A empresa diz que o kit não deve ser usado por pessoas alérgicas ou que sofram de asma e tomem medicamentos.
A empresa recomenda que, durante o uso do produto, a mulher se abstenha de ter relações sexuais e tomar bebidas alcoólicas.
A Folha enviou duas mensagens eletrônicas à Contraceptive, mas não obteve resposta.

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