São Paulo, terça-feira, 8 de abril de 1997
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A ilusão do crescimento

HENRIQUE RATTNER

Os jornais noticiaram com destaque a previsão do ministro Kandir segundo a qual a taxa de crescimento do PIB do Brasil deve alcançar 5% em 1997. Espanta o grau de mistificação usado pelos formuladores da política econômica, ao induzir a população a acreditar na solução de seus problemas, a partir de um indicador estatístico manipulado.
Questionamos as premissas desse indicador e postulamos que os principais indicadores que instruem a política econômica são obsoletos, exigindo uma redefinição urgente.
A doutrina convencional afirma que o crescimento da taxa do PIB (Produto Interno Bruto) seria sinônimo de progresso e bem-estar. A realidade contradiz o discurso otimista do governo e da academia.
O PIB reflete somente uma parcela da realidade, distorcida pelos economistas -a parte envolvida em transações monetárias. Funções econômicas desenvolvidas nos lares e atividades de voluntários acabam sendo ignoradas e excluídas da contabilidade. Em consequência, a taxa do PIB não somente oculta a crise da estrutura social, mas também a destruição do habitat natural -base da economia e da própria vida humana.
Paradoxalmente, efeitos desastrosos são contabilizados como ganhos econômicos. Crescimento pode conter em seu bojo os sintomas de anomia social.
A onda de crimes nas áreas metropolitanas impulsiona uma próspera indústria de proteção e segurança, que fatura bilhões. Sequestros e assaltos a bancos atuam como poderosos estimulantes dos negócios das companhias de seguro, aumentando o PIB.
Algo semelhante ocorre com o ecossistema natural. Quanto mais degradados são os recursos naturais, maior o crescimento do PIB, contrariando princípios básicos da contabilidade, ao considerar o produto da depredação como renda corrente.
O caso da poluição ilustra ainda melhor essa contradição, aparecendo duas vezes como ganho: primeiro, quando produzida pelas siderúrgicas ou petroquímicas e, novamente, quando se gasta fortunas para limpar os dejetos tóxicos. Outros custos da degradação ambiental, como gastos com médicos e medicamentos, também aparecem como crescimento do PIB.
A contabilidade do PIB ignora a distribuição da renda, ao apresentar os lucros enormes auferidos no topo da pirâmide social como ganhos coletivos. Tempo de lazer e de convívio com a família são considerados como a água e o ar, sem valor monetário. O excesso de consumo de alimentos e os tratamentos por dietas, cirurgias plásticas, cardiovasculares etc. são outros exemplos da contabilidade no mínimo bizarra, sem falar dos bilhões gastos com tranquilizantes e tratamentos psicológicos.
Seria demais exigir do governo que explicite melhor a qualidade do crescimento, seus custos e retornos, ou seja, "crescimento de quê e para quem?"...
O mito do PIB melhor pode ser observado nos países em desenvolvimento, assim definidos com base no próprio PIB. A industrialização do "milagre" brasileiro desarticulou as economias rural e doméstica, resultando em migrações, empobrecimento e sofrimentos de vastos contingentes populacionais.
Estudo do World Resource Institute, de Washington, sobre o crescimento "milagroso" da Indonésia, revelou seu caráter ilusório e depredador. Devastando florestas, exaurindo solos e riquezas minerais não-renováveis, alimentou o "boom" de crescimento, gerando fortunas bilionárias e miséria de milhões, simultaneamente. Os cálculos do instituto demonstram, considerando-se as perdas irreversíveis de recursos naturais, taxas de crescimento bem inferiores às oficiais.
Outro paradoxo decorrente da globalização embaralha ainda mais o indicador do PIB. Antes, os ganhos das corporações transnacionais eram contabilizados pelo país-sede da empresa, para onde os lucros iam retornar. Na contabilidade atual, os lucros são atribuídos ao país da localização das minas ou fábricas, embora não permaneçam lá.
Oculta-se, assim, um fato básico: as empresas dos países ricos exploram e expatriam os recursos dos pobres, chamando isto de "desenvolvimento".
Como medir ou avaliar o "progresso" de uma sociedade? Até organizações multilaterais (BM, BID, Unesco) passaram, nos últimos anos, a introduzir critérios sociais e qualitativos para avaliar os avanços em direção à sustentabilidade. Seria demais esperar de nossos ministros que considerem a economia como meio apenas para objetivos e valores mais substantivos?
Ao avaliar o estado da nação, devemos considerar a economia, além da produção e consumo de bens e serviços, como atividade destinada a resgatar o sentido do trabalho e da vida, refletindo o grau de cooperação e solidariedade alcançado pelos membros da sociedade.
Nesse sentido, muito mais do que números abstratos e manipulados, os cuidados e o desvelo com que o coletivo se dedica aos mais fracos, aos deserdados e discriminados -eis os verdadeiros indicadores do progresso humano rumo à sociedade sustentável.

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