São Paulo, terça-feira, 8 de abril de 1997
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Calcinhas sustentam equipe do sertão

MÁRIO MAGALHÃES
EM SANTA CRUZ DO CAPIBARIBE (PE)

Com o cofre vazio, o Ypiranga, equipe de Santa Cruz do Capibaribe (PE), já devia três meses de salários ao técnico Rubens Monteiro de Barros, o Rubinho.
Em contraste com muitos dirigentes do futebol brasileiro, o presidente do clube, Maviael Sobrinho, costumava se empenhar, até sacrificando seu próprio bolso, para honrar os compromissos.
Dinheiro não havia, mas ele vendia tecido para as confecções que ocupam pelo menos 85% da mão-de-obra da cidade sertaneja, 189 km a oeste de Recife.
Rubinho, como quase toda a classe média local, mantinha -e ainda mantém- uma confecção nos fundos de casa, onde fabrica 24 mil calcinhas por mês.
Resultado: o treinador-empresário recebeu do cartola 150 kg de lycra, fabricando cerca de 7.050 calcinhas brancas, vermelhas ou azuis, a maioria comprada por comerciantes paulistas.
"Eu e Maviael somos amigos, foi fácil resolver", diz Rubinho.
O caso se passou no ano passado. Rubinho já não é o técnico do Ypiranga, que liquidou a dívida, e Maviael Sobrinho segue à frente do clube em que dirigentes, funcionários e jogadores fazem da produção de calcinhas, cuecas e shorts o verdadeiro ganha-pão.
Não se trata de um time qualquer: apesar de disputar o torneio da morte, lutando contra o rebaixamento, o Ypiranga integra a primeira divisão do Campeonato Pernambucano.
Mas uma crise financeira fez com que reduzisse a folha de pagamento de R$ 30 mil mensais, em 1996, para R$ 10 mil.
Mais do que nunca, agora a equipe se sustenta das máquinas de costura.
O supervisor Ari Lima corta o tecido, e sua mulher costura cuecas. Numa semana, ele fatura R$ 300, o mesmo que em um mês no clube.
O lateral Catuxa e o centroavante Cacau são funcionários numa confecção de quintal.
O meia Edinho, uma classe social acima, é dono de nove máquinas industriais, com as quais fabrica tangas e calcinhas.
A mulher, a mãe e uma irmã de Edinho o ajudam, além de seis empregados. Recebendo R$ 112 do clube, ele normalmente embolsa mais num só turno de trabalho.
São 18 mil calcinhas por mês. "Estou no futebol porque gosto muito. Com o que ganho não dá nem para brincar."
Há quase dez atletas-microempresários. Os outros se viram como podem -Marcelo é agiota, ofício ensinado pelo avô.
Mas o grande negócio são as confecções. Durango, um promissor lateral-direito, abandonou o clube para trabalhar numa barraca que vende roupas íntimas. Vitória das calcinhas, derrota do futebol.

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