São Paulo, terça-feira, 8 de abril de 1997
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O elefante branco da flexibilização

EDUARDO RIBEIRO CAPOBIANCO

No relatório do deputado Moreira Franco sobre o projeto de reforma administrativa e no anteprojeto de modificação da lei 8.666 (Lei de Licitações e Contratos), há um elefante branco passando sem que a opinião pública tenha se dado conta.
Trata-se de dispositivos para permitir que as estatais não sigam mais a lei 8.666, podendo fazer suas licitações mediante regras próprias.
Para ter uma idéia do risco que representa deixar soltas as rédeas das estatais, basta recordar o que ocorria no período da ditadura militar. Na época, o governo criava empresas para burlar as normas de licitações, dando lugar a toda espécie de corrupção que se possa imaginar.
Tanto o deputado como o Ministério da Administração e Reforma do Estado argumentam que a mudança seria indispensável para dotar as estatais de agilidade num mundo cada vez mais competitivo.
Adicionalmente, o governo propõe que as estatais passem a ser avaliadas por contratos de gestão, permitindo-se inclusive sua falência. Isso impediria a má administração da coisa pública dentro das estatais.
Essa argumentação não resiste a uma análise mais profunda. Em primeiro lugar, as estatais, geralmente, são monopolistas. Ou têm privilégios, como é o caso dos bancos estatais, que detêm o monopólio das contas correntes de funcionários públicos e governos.
Além disso, o governo vai privatizar estatais nos setores em que a iniciativa privada tem condições de competir. E, uma vez privatizadas, não terão mesmo de seguir a lei 8.666 para realizar licitações.
Em segundo lugar, as estatais tendem a ser menos eficientes que as empresas privadas, por causa do uso político que os sucessivos governos delas fazem. Mais uma razão para que continuem obrigadas a seguir a lei 8.666, um verdadeiro antídoto contra eventuais ingerências políticas nas aquisições feitas por aquelas empresas.
Em terceiro lugar, ao contrário das empresas privadas mal geridas, as estatais nunca vão à falência. Tal possibilidade abriria espaço para crises políticas de custos incalculáveis. E, se uma estatal continua existindo, supõe-se que seja efetivamente necessária.
Em quarto lugar, as estatais não são estimuladas pelo mercado para que sejam eficientes. Novamente aí a lei 8.666 ajuda, obrigando essas empresas a seguirem procedimentos que aumentam sua eficiência.
Em quinto lugar, flexibilizar as regras de licitações das estatais é abrir a comporta para a corrupção. Nesse caso, os prejuízos não são apenas morais. São econômicos e atingem toda a sociedade, pois as estatais operam com recursos públicos. É diferente do prejuízo em uma empresa privada, quando apenas seus sócios perdem.
Por último, as estatais também padecem das mesmas disfunções organizacionais que comprometem o funcionamento das grandes corporações privadas. Nestas, o remédio tem sido o estabelecimento de rotinas e a diminuição do poder discricionário de alguns funcionários, precisamente para coibir fraudes. As empresas privadas não eliminam a burocracia, apenas a modernizam, pelo uso intensivo da informática, procurando combater má gestão e fraudes.
Por todas estas razões, a tese de flexibilizar agora o regime das estatais está na contramão da administração moderna. Entendemos que, primeiro, privatizam-se essas empresas, em sua grande maioria.
Aquelas que sobrarem ficarão na condição de estatais importantes. Logo, deveriam submeter-se às mesmas regras que o restante da administração indireta. Afinal, não há por que haver regras diferentes. Evidentemente, essas empresas serão grandes e monopolistas, e não haverá por que serem dispensadas de seguir a lei 8.666.

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