São Paulo, quarta-feira, 9 de abril de 1997
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História sem fim

DRÁUSIO BARRETO

Todos, ainda, lembramos os escândalos revelados pela CPI do Orçamento. Parlamentares usavam verbas oficiais em benefício próprio -seu símbolo, também símbolo do cinismo e da desfaçatez, era João Alves, aquele que, surpreendido com US$ 50 milhões no banco, garantiu que tinha ganhado 200 vezes na loteria.
Nascida para redimir nossas esperanças, a CPI do Orçamento terminou em pizza e cervejada. Não houve nenhuma consequência na Justiça. Ninguém foi punido.
Hoje, de novo, assistimos estarrecidos a bandalheiras com o dinheiro público, na CPI dos Precatórios. São centenas de milhões de reais desviados de sua finalidade -o pagamento de condenações judiciais- para o bolso esperto de funcionários públicos, bancos, corretoras e, quem sabe, políticos.
A CPI dos Precatórios presta um bom serviço, mostrando como funcionam as coisas nos porões do Brasil. Mas corremos um sério risco, igual ao da CPI do Orçamento, de nos frustrar.
E por quê? Porque a função da CPI é legalmente limitada a investigar os fatos. A punição dos envolvidos é tarefa da Justiça. Nenhuma CPI pode condenar alguém à prisão. A CPI não pode determinar o ressarcimento do prejuízo causado ao patrimônio público, com o sequestro dos bens auferidos com a rapinagem.
É dentro dessa dimensão que temos de examinar o papel da Justiça, na apuração e no julgamento da responsabilidade dos envolvidos nos escândalos. Pelos exemplos, podemos supor que, sem uma tomada de consciência da sociedade, pressionando juízes, promotores, procuradores da República e delegados, a impunidade dos autores de crimes gravíssimos talvez seja confirmada.
A Justiça precisa sair de um estado que parece de letargia profunda. A CPI dos Precatórios já deveria estar sendo acompanhada por delegados de polícia e membros do Ministério Público, visando à imediata ação judicial contra os envolvidos.
A punição dos autores de crime de corrupção é um desafio para a sociedade, tantos e tamanhos são os escândalos e desfalques revelados quase diariamente.
O que observamos é a timidez de nossa Justiça na hora de pescar os tubarões. A democracia política que conquistamos só terá alma, essência e permanência se vier acompanhada, de agora em diante, de valores éticos. E para isso o Brasil precisará da sua Justiça.
Enquanto não houver um efetivo comprometimento das instituições que compõem a nossa Justiça para alteração deste cenário de consagração da impunidade dos poderosos, de nada valerão as CPIs, pois se assemelharão ao enredo de uma história sem fim.

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