São Paulo, quarta-feira, 9 de abril de 1997
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Limites na guerra fiscal

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Sente-se que há algo profundamente errado na chamada guerra fiscal. Por meio dela, Estados e municípios brasileiros sacrificam receita futura -e assumem gastos presentes- em acirrada disputa por investimentos que, na sua quase totalidade, já têm por endereço certo o território nacional.
E não se pode dizer que a guerra fiscal represente um esforço desesperado pela criação de empregos. Sabidamente, se Mato Grosso crescer à taxa de 10% ao ano, a situação do emprego no Rio Grande do Sul e no Nordeste será, em alguma medida, beneficiada. Nunca esquecerei a surpresa de um amigo ao ouvir de um pedreiro aqui no Rio: "Choveu em Irecê, então eu vou para São Paulo". Ele estava com isso dizendo que o fim da estiagem no semi-árido baiano deveria provocar um movimento de retorno de trabalhadores, com tendência a abrir vagas na base do mercado de trabalho paulista.
Mas, enfim, seria a guerra fiscal mero absurdo?
Alto lá. Antes de mais nada, trata-se de um fenômeno amplamente difundido. Verifica-se, neste final de século, uma verdadeira revoada de capitais. Diante desse fenômeno, numerosas nações e regiões vêm tratando de abocanhar o seu quinhão de novos investimentos, mediante a concessão de estímulos da mais variada natureza.
Retornando ao quadro brasileiro, convém lembrar que o governo, ao fixar em 70% a tarifa para automóveis, criou um clima de "vale tudo", no que toca à concessão de estímulos para a atração de investimentos. De fato, nesse nível tarifário -e dada a desproteção das autopeças- a proteção efetiva (sobre o valor agregado) para automóveis chega, como mostrou Honório Kume, a 270%.
Voltando à questão do emprego acima referida, convém advertir que não obstante a mobilidade alcançada pela mão-de-obra, há uma diferença abissal nas oportunidades com que se defrontam aqueles que nascem no Vale do Jequitinhonha ou em Campinas. Aliás, são os homens, basicamente, que emigram -deixando para trás mulheres e crianças. Consequentemente, o esforço feito no sentido de atrair investimentos para áreas deprimidas faz, em princípio, amplo sentido. Sobretudo quando se revela possível atrair empreendimentos altamente empregadores de mão-de-obra de baixa qualificação.
Pode-se também argumentar que atrair investimentos capazes de deflagrar outros investimentos, pode ser essencial para dar partida em novos surtos de crescimento.
Por fim, mas não menos relevante, é mais que plausível esperar que os políticos tratem de atrair para suas regiões -e bases eleitorais- novos investimentos.
Dito o que precede, convém retornar à questão inicial. Afinal, o que há de errado e, sobretudo, de evitável, na guerra fiscal?
O problema parte de que, ao concederem todos os mesmos benefícios, estes simplesmente se anulam. Em outras palavras só tem (possivelmente) eficácia aquilo que se acrescenta em relação ao que os demais oferecem. Nesse sentido, a guerra fiscal se realimenta a si mesma -tendendo a crescer ao longo do tempo o sacrifício a ser feito sob a forma de gastos e renúncia fiscal.
Recentemente ouvi dizer que, para obter certos investimentos, um Estado estava oferecendo tudo o que os demais oferecessem e mais o pagamento dos dois meses iniciais de salário -a título de treinamento da mão-de-obra! Duas ponderações devem ser acrescentadas a este propósito.
Alguns querem crer que o limite da guerra fiscal está dado pela perda da credibilidade do poder concedente. O argumento é duvidoso. Ele supõe, antes de mais nada, boa-fé por parte do investidor. Havendo má-fé, o investidor simplesmente trata de extrair o máximo possível, enquanto puder.
Além disso, por má-fé ou por frustração de expectativas podem estar sendo criadas situações politicamente complicadas. Para percebê-lo, basta lembrar que em uma democracia é de se supor o revezamento no poder. Ora, enquanto os que bancaram inicialmente um projeto tudo farão para mantê-lo de pé, a oposição, tornada governo, não tem qualquer interesse em socorrer iniciativas problemáticas ou periclitantes. Surge aqui um complicado e imprevisto desdobramento político da atual disputa por investimentos.
Os problemas acima apontados não são de fácil solução. O que sim me parece evidente é que algum balizamento deve ser introduzido na guerra fiscal. Todos têm interesse nisso. Dos guardiões da moeda, aos aplicadores dos limitados recursos estaduais e municipais e aos contribuintes em geral.

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