São Paulo, quarta-feira, 9 de abril de 1997
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Documentário francês lança o "thriller social"

MARTA AVANCINI
DE PARIS

"Reprise dá ar de "thriller social" a documentário
Produção do cineasta Hervé Le Roux, em cartaz na França, investiga o destino das lutas sociais na Europa a partir de maio de 68
A imagem de uma mulher gritando durante uma assembléia na porta de uma fábrica em junho de 1968 é o ponto de partida de um filme que está sendo classificado, na França, de "thriller social". "Reprise", documentário realizado pelo cineasta Hervé Le Roux, em cartaz no país, usa essa imagem como ponto de partida para uma dupla investigação: sobre o destino da mulher e sobre o destino das lutas sociais na Europa.
A mulher em questão é uma funcionária da fábrica de pilhas e equipamentos elétricos Wonder que se recusa a acatar a decisão de voltar ao trabalho.
O contexto é de retorno à normalidade após as manifestações estudantis e greves operárias de maio de 1968.
"Vi a imagem da mulher pela primeira vez em uma revista e nunca mais me esqueci dela. Para mim ela sintetiza a revolta. Eu queria saber o que aconteceu com ela", disse Le Roux à Folha.
Por causa de sua obsessão, Le Roux fez um filme que resulta em uma reflexão sobre o destino dos movimentos de esquerda nas últimas décadas.
"Minha vontade era dar a palavra às pessoas que viveram aquele momento. Afinal, se um cineasta se dá o direito de registrar imagens das pessoas, é justo que elas tenham espaço para emitir suas opiniões", afirmou.
Teia
O ponto de partida do filme de Le Roux é um outro documentário -o que foi realizado por um grupo de estudantes durante a assembléia da Wonder, em que a imagem da mulher gritando foi originalmente registrada.
Le Roux estrutura sua investigação sobre as pessoas que apareceram no documentário de 68.
"Queria manter a espontaneidade dos depoimentos, então ligava para as pessoas e dizia que estava fazendo um filme sobre a Wonder. Quando chegava à casa delas, ligava a câmara e as deixava falar."
Ao todo, são cerca de 20 pessoas envolvidas direta ou indiretamente no episódio que revivem suas experiências.
A ex-funcionária da Wonder que se tornou enfermeira fala das más condições de trabalho. O estudante que participou da sonorização do documentário conta que só estava preocupado em fazer um bom filme. O líder sindical lembra que era contra o fim da greve na época.
"Como a intenção era deixar as pessoas contarem suas histórias, não cortamos os depoimentos, como geralmente ocorre com os documentários", disse Nadine Tarburiech, montadora do documentário. Segundo ela, a filmagem foi feita durante o verão de 1995 e montagem terminou no final daquele ano.
"Thriller"
Apesar de ser classificado como documentário, o filme tem estrutura de "thriller".
Fatos, histórias e pessoas se combinam para desvendar o mistério -o destino da mulher, emblema de maio de 68.
"O filme fica, na verdade, no limite da ficção e do documentário. Como a investigação também era uma questão pessoal, resolvi me incluir nele", disse Le Roux.
O cineasta participa do filme por meio de uma voz em off que é intercalada com os depoimentos e imagens do documentário de 68.
A conclusão da investigação fica em suspenso mesmo após as 3h12 de projeção. "Não tenho a menor idéia do que aconteceu com ela."
Novo cinema
Aos 40 anos, Hervé Le Roux está sendo tratado pela crítica como um dos expoentes de uma nova geração de cineastas franceses.
A característica desse grupo, que inclui nomes como Manuel Poirier, Pierre Jolivet e Sandrine Veysset, é dar voz aos excluídos, de acordo com a crítica.
"Acho que existem cineastas com novas idéias, mas não dá para falar em uma escola. Depois de um período de inveja da América nos anos 80, em que a estética era a preocupação principal, estamos resgatando as personagens, as pessoas", disse Le Roux.
A mais nova obra de Poirier, "Marion" também em cartaz na França atualmente, relata o envolvimento de um casal sem filhos com uma menina de 10 anos de origem pobre.
A história é um meio de Poirier mostrar as fraturas sociais.
"Reprise", que está em cartaz em uma única sala no bairro Quartier Latin, em Paris, e em quatro cidades do interior, ficou em sétimo lugar no ranking entre as produções francesas mais vistas na semana passada.
"É um bom desempenho, considerando que são apenas três sessões por dia em Paris", disse Le Roux.
O cineasta diz que não há previsão de lançamento do filme fora da França, o que inclui o Brasil.
"Reprise" recebeu, em 1996, o grande prêmio do júri do Festival de Belford e o prêmio Sadoul.

LEIA MAIS sobre documentários à pág. 4-3

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