São Paulo, quarta-feira, 9 de abril de 1997
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Dias dá volta à carreira em 80 obras

CRISTINA GRILLO
DA SUCURSAL DO RIO

Com a bengala, o pintor Cícero Dias, 90, aponta para um painel fotográfico instalado na Casa França-Brasil, onde está ao lado de vários amigos durante a abertura da primeira exposição que fez no Rio, em 1928.
"Olha o Ismael (Nery), o Murilo (Mendes). Olha o sapato deles, que coisa engraçada", diz.
Dias, considerado o maior pintor brasileiro vivo, percorreu na segunda-feira a Casa França-Brasil, no Rio, onde será aberta hoje a mais representativa exposição de sua obra já feita no Brasil.
Detalhista, o pintor mostrava preocupação com a iluminação e a colocação dos quadros. "Tem que estar tudo lindo. Nada pode sair errado", dizia para o curador da mostra, o marchand Jean Boghici.
São 80 obras, representativas do trabalho feito durante oito décadas de pintura. A exposição mostra a transformação do trabalho de Cícero Dias com o correr do tempo: o academicismo do início, o abstracionismo, a influência dos cubistas, a opção por formas geométricas nos anos 60.
Lá estão painéis como "Eu Vi o Mundo... Ele começava no Recife", de 1928, e óleos como "Galo ou Abacaxi", da década de 40.
"A escolha foi cuidadosa. Há um pouco de cada coisa que fiz durante a minha vida", diz o artista.
E não foi pouco o que o artista fez. Cícero Dias gosta de contar histórias de seus amigos de juventude -Picasso, Matisse, Paul Éluard, Di Cavalcanti e outros.
"Eu não tinha como manter um quadro de Picasso em casa. Era algo valioso demais e quando viajava, precisava alugar um cofre em um banco para colocá-lo, o que era caro. Resolvi contar isso a Picasso e ele me disse que eu deveria vender o quadro. Vendi e comprei um apartamento em Paris", relembra.
As memórias de Cícero Dias passam também pela prisão na cidade alemã de Baden-Baden em 1937 e a troca, seis meses depois, por prisioneiros alemães que estavam no Brasil.
"Eles me soltaram em Lisboa para eu voltar ao Brasil. Dei meia volta e fui para Paris. Eu não ia sair de lá para pegar o Estado Novo aqui", conta Dias rindo.
Na volta a Paris, Cícero Dias encontrou Matisse, que lhe pediu ajuda: queria fugir da guerra e morar no Brasil. Dias o levou ao consulado brasileiro e ajudou na obtenção do visto. Poucos dias antes do embarque, no entanto, uma irmã de Matisse foi assassinada por soldados alemães.
"Ele ficou assustado, mas resolveu ficar na França para ajudar a família. Foi uma pena. Ele adoraria ter pintado as cores brasileiras."
Cícero Dias relembra também o pedido que recebeu do poeta Paul Éluard em 1942, durante uma viagem a Portugal: tentar levar para a França o poema "Liberté". Pedido perigoso, já que os alemães, segundo Dias, não gostavam da palavra. "Se me pegassem com aquilo, seria fuzilado. Reescrevi o texto, eliminando a palavra liberdade. No lugar dela, colocava um pontinho para saber como reescrever depois".
O poema chegou à França, mas não pelas mãos do pintor. Ele a entregou ao escritor inglês Roland Penrose -que era também capitão da Royal Air Force, a RAF.
"Penrose fez cópias do poema, que foram jogadas de pára-quedas durante os bombardeios a pontos ocupados pelos alemães", conta.
A exposição da Casa França-Brasil mostra um pouco dessas histórias. Em painéis, foram colocadas cartas e fotos de Dias e amigos.

Exposição: Cícero Dias, Oito Décadas de Pintura
Onde: Casa França-Brasil (rua Visconde de Itaboraí, 78, tel. 021/253-5366, Centro) Quando: terça a domingo , das 10h às 20h. Até 25 de maio
Quanto: entrada grátis

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