São Paulo, quarta-feira, 9 de abril de 1997
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Se o caso é informação, a nuance importa

BILL GATES

Foi Thomas Edison quem inventou a lâmpada incandescente ou foi sir Joseph Swan?
Uma enciclopédia publicada em CD-ROM por minha empresa, nos Estados Unidos, contém um artigo sobre Edison, mas não sobre Swan.
"Em 1878 e 1879, o inventor britânico Joseph Swan e o inventor norte-americano Thomas Edison criaram, simultaneamente, a lâmpada de filamento de carbono", diz a enciclopédia.
A edição vendida no Reino Unido da mesma obra reflete uma realidade ligeiramente diferente. Ela inclui um artigo sobre Swan e diz: "Em 1878, ele (Swan) demonstrou uma luz elétrica, usando um fio de carbono dentro de uma lâmpada a vácuo. Thomas Edison chegou à mesma solução no ano seguinte, de maneira independente".
Invenção do telefone
Será que foi o americano Alexander Graham Bell quem inventou o telefone? Ou foi o ítalo-americano Antonio Meucci?
Ambas as enciclopédias em língua inglesa atribuem a invenção a Bell, que a patenteou em 1876. Nenhum dos 30 mil artigos que compõem a versão americana ou dos 28 mil artigos da britânica sequer menciona o nome de Meucci.
Mas a versão italiana, que será lançada em breve, atribui a Meucci a criação do primeiro telefone rudimentar, em 1854, e diz que em 1871 ele registrou documentos preliminares junto ao órgão norte-americano responsável por patentes.
"Em 1876, outro inventor, A.G. Bell, patenteou um aparelho semelhante... Bell obteve fama e riqueza, enquanto Meucci morreu pobre", diz.
A realidade pode ser subjetiva, como estou descobrindo à medida que nossas equipes editoriais criam versões modificadas da enciclopédia "Encarta", dirigidas aos diferentes mercados mundiais.
É uma lição que muitas editoras farão bem em aprender nos anos vindouros, à medida que forem aumentando os fluxos de informação dirigidos a platéias mundiais, via Internet.
Cor local
Todas as empresas de software que têm mercados globais já adaptam seus produtos, até certo ponto.
Convertemos nomes de menus, nomes de comandos e arquivos de instruções para as línguas locais.
Embutimos em nossos softwares a lógica necessária para a compreensão de diferentes calendários, teclados e símbolos de moedas nacionais.
Criamos corretores ortográficos e léxicos para várias línguas, e os usuários têm acesso a vários deles, o que é ótimo para pessoas que trabalham com documentos em diversas línguas.
Mas nada disso nos havia preparado para adaptar uma enciclopédia a cinco idiomas.
Nenhuma empresa antes de nós havia enfrentado o desafio da adaptação total de uma quantidade tão maciça de conteúdo para leitores de todo o mundo.
Abrindo os olhos
A tarefa serviu para nos abrir os olhos para muitas coisas.
Não é possível pura e simplesmente traduzir o texto inglês de uma enciclopédia para outra língua. Os diferentes países e culturas têm interesses e percepções diferentes.
Temos de incluir a visão local. A última coisa que queríamos era que as pessoas dissessem que nossa enciclopédia é americana. Assim, autorizamos especialistas locais de várias partes do mundo a fazer o que achassem melhor.
O resultado é uma série de enciclopédias em CD-ROM.
Todas são baseadas na versão americana, mas cada uma é diferente das outras. Cada uma delas é tão local quanto possível, representando o que chamamos de "a realidade instruída local".
A tarefa, às vezes delicada, foi desempenhada com enorme prazer por alguns dos envolvidos.
Foram escritos centenas de artigos novos; em alguns casos, milhares. Os artigos foram abreviados ou encompridados para refletir a relativa importância do tema em cada país.
Devido ao acesso aleatório da enciclopédia, a importância é expressa pelo comprimento do artigo e pelo número de fotos, clipes sonoros e vídeos que contém, mais do que pela proeminência de sua localização.
Por exemplo, a versão em língua inglesa da "Encarta" faz um tratamento muito mais longo e detalhado de Shakespeare do que de Cervantes. Na versão em espanhol, há um equilíbrio maior entre os artigos sobre os dois.
Os editores espanhóis atribuíram às touradas o status de arte e mergulharam mais fundo na fauna e na flora da América do Sul do que os norte-americanos.
Os editores franceses acrescentaram muitos detalhes sobre a arte e a literatura francesas, especialmente no que diz respeito ao Renascimento e ao impressionismo. Também acrescentaram leituras de poesias.
Os editores britânicos substituíram palavras usadas no inglês americano por palavras inglesas. "Pants", por exemplo, significa "calças" em inglês americano e "cuecas" em inglês britânico. Os editores ingleses acharam engraçada uma referência feita aos caubóis, que usavam "pants" apertadas.
Os editores britânicos também injetaram um ponto de vista mais fortemente expresso, em artigos assinados, escritos por autoridades respeitadas.
Enquanto os editores americanos buscaram manter um tom neutro, os britânicos encorajaram a presença de autores -especialistas que têm opiniões definidas sobre determinados assuntos. Essa decisão reflete as expectativas diferentes dos leitores americanos e britânicos.
Com relação à Segunda Guerra Mundial, o relato americano realçou o que aconteceu depois da entrada dos Estados Unidos na guerra. Os editores britânicos deram ênfase maior aos primeiros anos do conflito.
Revisão extensa
Os editores alemães fizeram revisões extensas. Também acrescentaram referências a figuras alemãs de destaque, tais como o astronauta Ulf Merbold, um físico que foi o primeiro astronauta a viajar tanto no ônibus espacial norte-americano (em 1983 e 1992) quanto na estação espacial russa MIR (em 1994).
A edição japonesa foi incrementada com muito conteúdo que reflete as tradições e perspectivas japonesas.
Por exemplo, os textos japoneses sobre a imprensa tratam de técnicas asiáticas que antecederam a invenção dos tipos móveis, feita por Gutenberg na Alemanha, por volta do ano 1450.
O artigo sobre cerejas e flores de cerejeira contém dez fotos e seis páginas de texto; a edição americana tem apenas duas fotos e cinco parágrafos de texto. A edição norte-americana da "Encarta" inclui 46 verbetes relativos à Coréia do Norte e à do Sul; a japonesa, 216.
Especialistas coreanos revisaram tudo o que foi escrito sobre a Coréia, e especialistas chineses fizeram o mesmo com os textos relativos à China. As disputas relativas a fronteiras são questões delicadas para uma enciclopédia que será lida no mundo todo.
Num mapa que mostrava uma fronteira disputada entre Índia e Paquistão, os editores optaram por utilizar linhas pontilhadas.
Colonialismo
Em uma edição da "Encarta", cometemos o engano factual de dizer que um pequeno Estado no sul da Coréia, que os coreanos conhecem como Kaya e os japoneses, como Mimana, foi dominado pelo Japão nos séculos 3 e 4.
Antes que pudéssemos corrigir o erro, ele provocou enorme ultraje na Coréia do Sul, onde um jornal importante chegou a conclamar a população a boicotar todos os produtos Microsoft.
Em 1982, o Reino Unido e a Argentina travaram uma guerra em torno de um grupo de ilhas situado na ponta sul da América Latina. O Reino Unido, que ganhou a guerra e conservou o controle das ilhas, as chama de Falklands. Para a Argentina, são as ilhas Malvinas. A versão em espanhol da "Encarta", diferentemente da britânica, qualifica o domínio britânico sobre as ilhas como "um dos últimos resquícios de colonialismo europeu nas Américas".

Cartas para Bill Gates, datilografadas em inglês, devem ser enviadas à Folha, caderno Informática -al. Barão de Limeira, 425, 4º andar, CEP 01202-900, São Paulo, SP- ou pelo fax (011) 223-1644.
E-mailb askbill@microsoft.com

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