São Paulo, sábado, 12 de abril de 1997
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Saramago questiona poder da literatura

CARLOS ALBERTO DE SOUZA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE

O escritor português José Saramago disse ontem, em Porto Alegre, que a literatura não tem o poder de transformar a sociedade.
"Nunca acreditei que os escritores fossem engenheiros da alma", declarou ele.
Saramago fez palestra no seminário "Literatura e História: Três Vozes de Expressão Portuguesa", que também reuniu a escritora do Cabo Verde Orlanda Amarilis e o escritor Helder Macedo, que nasceu na África do Sul, viveu em Portugal e está radicado em Londres, onde leciona.
O evento, que começou na quarta-feira e terminou ontem, foi promovido pelo Instituto de Letras da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) em associação com o IEL (Instituto Estadual do Livro).
"Suponho que, se grandes figuras literárias do passado não tivessem existido, o mundo seria exatamente o que é", declarou Saramago, um dos maiores nomes da literatura mundial, diversas vezes cotado para o Prêmio Nobel, em entrevista coletiva.
Segundo o autor de "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", essa tese não significa que os autores e as obras não exerceram influência no tempo em que viveram -"uma influência geracional e, sobretudo, pessoal nos seus leitores".
Encomenda social
Saramago, que se classifica como um "escritor desprogramado", contou que não escolhe os temas sobre os quais escreve.
"Penso que os temas estão por aí, no ar, a flutuar", disse o autor, que declarou que sua incursão por vários gêneros literários está ligada às circunstâncias e não a uma espécie de "diletantismo".
"Uma questão importante é a da encomenda social ao escritor", disse Saramago, referindo-se a um convite que recebeu de um grupo de teatro alemão para escrever sobre o conflito religioso dos anabatistas (seita protestante que rejeita o batismo das crianças e rebatiza todos os seus adeptos) no século 16.
"Resultou em um grande espetáculo. Mas nunca digo que sou dramaturgo. É como uma espécie de atividade paralela", brincou o escritor.
União Européia
Saramago afirmou que a língua portuguesa não é "unificável", mas defendeu o estabelecimento de regras sobre a norma gráfica para que Portugal, em tempos de informatização da língua, não apareça com diferenças diante dos outros seis países que utilizam o idioma.
Crítico contumaz da União Européia, Saramago não se furtou ao tema e alertou que a "aproximação forçada" dos países da região poderá "explodir".
"Temo que, não tendo sido o processo da União Européia conduzido pela aproximação dos povos, mas sim pelos interesses econômicos e políticos, na medida em que poderiam servir à economia, mais tarde, mudadas as circunstâncias, o que está sendo empurrado para ser uno venha a explodir", advertiu.

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