São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997
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Carro é candidato a inimigo público nº 1

ROGERIO SCHLEGEL

ROGERIO SCHLEGEL; JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

Assim como o cigarro, veículos começam a sofrer restrições devido aos congestionamentos e à poluição

JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
Ele solta fumaça e move uma indústria mundial bilionária. Foi associado a charme e prazer, mas hoje há sinais concretos de que seu uso faz mal a saúde. A longo prazo, aumenta a chance de problemas respiratórios, por exemplo, inclusive em não-usuários. Por esse e outros motivos, começa a sofrer restrições em vários países.
O personagem dessa história não é o cigarro, mas o carro. Graças ao caos que se instalou em São Paulo e outras cidades do planeta, esse meio de transporte que revolucionou urbanismo e economia do século 20 começa a se apresentar como o vilão que tira tempo, saúde e, maior ironia, mobilidade de usuários e não-usuários.
"Para alguns especialistas, pode ocorrer com o carro o que aconteceu com o cigarro, que era associado a prestígio e status e hoje é questionado e sofre restrições", diz o secretário do Meio Ambiente de São Paulo, Fábio Feldmann.
A discussão sobre os males do carro vai voltar a esquentar em São Paulo com o debate sobre o rodízio de inverno. Mas até nos Estados Unidos, pátria do automóvel, restrições sobre o uso do carro têm sido discutidas e, às vezes, aceitas.
Contra a poluição, governos estaduais dos EUA aumentam a taxação sobre carros velhos e já existe publicidade contra usuários de veículos com 10 ou 20 anos de uso.
"No início, a pressão era contra os fabricantes. Agora, na era do politicamente correto, passou a ser também contra os usuários", explica Charlie Peters, de uma ONG que combate a poluição.
"Minha mulher tem um carro 79 que está em bom estado. Mas quando sai na rua, acha que todos olham feio, por isso decidiu vender", diz o israelense Hezy Benzev, motorista de uma empresa de transporte de Nova York.
Individual x coletivo
Claro, o automóvel ainda está longe de ser condenado ou banido em qualquer parte do mundo.
"Não há substituto à vista, em termos de flexibilidade, conforto e rapidez nos deslocamentos", afirma José Roberto Ferro, professor da Fundação Getúlio Vargas que coordena pesquisa do MIT (Massachusetts Institute of Tecnology) sobre a indústria automobilística.
É o uso abusivo do carro e o abandono do transporte coletivo que estão em questão. O paulistano já descobriu que o sonho de girar a ignição e chegar rápido aonde quiser vira pesadelo quando todos fazem isso ao mesmo tempo.
A estabilidade econômica estimulou as pessoas a comprar um carro ou tirar o seu da garagem. No ano passado, a frota cresceu 3,1% e o consumo de gasolina subiu 14% até novembro, na comparação com igual período de 95.
Estudos europeus mostram que obras viárias tendem a ser sempre insuficientes para a demanda dos carros, o que se constata em São Paulo. Resultado: congestionamentos e poluição.
O que está em jogo é o direito a usar o espaço da cidade. Um carro, que leva em média 1,5 passageiro na capital, ocupa o espaço de 8 passageiros de ônibus. E ainda toma lugar para estacionar.
Especialistas em transporte têm uma boa saída para o automóvel: viabilizar o transporte coletivo.

LEIA MAIS nas págs. 3-2 e 3-3

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