São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997
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Desmilitarização devolve cidadania ao PM

MAURO TAGLIAFERRI
DA REPORTAGEM LOCAL

As Polícias Militares brasileiras devem recuperar a cidadania de seus integrantes e fazer com que seus agentes trabalhem para a sociedade, e não contra ela.
Para tanto, os policiais precisam entender as relações sociais e ter sua função na comunidade bem definida, com direitos, deveres, controle e punição para suas faltas.
Especialistas ouvidos pela Folha são unânimes em apontar o processo de desmilitarização dos PMs, que voltariam a se enxergar como cidadãos, como a saída para evitar os delitos praticados por policiais.
A seguir, algumas sugestões para recuperar a PM.
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CONTATO COM A SOCIEDADE - O policial precisa saber que integra a sociedade. Para Álvaro de Aquino e Silva Gullo, do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), esse contato até existe, mas deve ser aprofundado.
"A maior parte dos veículos da PM que passam pela periferia de São Paulo presta assistência social. Como às vezes não há hospitais por perto, doentes, gestantes e acidentados são transportados no carro da polícia", disse o professor, autor de uma análise socioeconômica da PM paulista, em 92.
Algumas ações da Polícia Militar mostram que a idéia de se aproximar da sociedade frequenta os quartéis. Entre fevereiro e março, o policiamento de choque de São Paulo tentou implantar uma operação de repressão a pequenos delitos e atitudes anti-sociais.
A ação previa uma abordagem respeitosa à população, mas acabou gerando antipatia por submeter trabalhadores a revistas e lotar delegacias de mendigos.
A integração da PM à sociedade a que ela deve servir quebraria a desconfiança da população. "Não se pode criar uma paranóia coletiva, um horror à farda", disse Gullo.
Para tanto, o policial teria de conhecer, de fato, o meio com o qual vai interagir e ter a total noção de seu papel na sociedade.
DESMILITARIZAÇÃO - Se a idéia é interação com a comunidade, o policial deverá abandonar a concepção de que o civil é um inimigo em potencial. Em outras palavras, deve-se eliminar ao máximo o caráter militar da formação dos PMs, substituindo-o por conhecimentos sociológicos e especialização na atividade policial.
"A regulamentação básica da PM vem do governo (Getúlio) Vargas e do regime militar e está anacrônica", declarou Oscar Vilhena Vieira, secretário-executivo do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Crime (Ilanud).
"É preciso mudar o código de referências pelo qual eles são formados, ou ao menos diminuir o padrão de militarização. Os policiais são instruídos a reconhecer no outro um inimigo a ser eliminado", acrescentou.
"A referência do policial tem de mudar, ele precisa reconhecer no civil um cidadão, ainda que criminoso, passível de direitos", afirmou Vieira.
"O policial não é a Justiça, mas um instrumento dela. Seu papel é servir a população", disse Gullo.
CONTROLE - Paralelamente à formação, o trabalho do PM tem de ser regulamentado e monitorado. A sugestão da Ilanud é criar um código de conduta que indique ao soldado o momento certo de aplicar a força, ou usar a arma de fogo.
"Com isso, o policial se condicionaria a não usar a força na maioria dos casos", disse Vieira.
Para o deputado estadual Renato Simões (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo, o governo federal deveria elaborar uma doutrina de segurança pública, nos moldes do Estado Democrático de Direito.
"O Ministério da Justiça tinha de criar uma Secretaria da Segurança que estabelecesse uma política de segurança nacional. O aparelho policial não é para defender o Estado, mas a cidadania", afirmou.
PUNIÇÃO - A Human Rights Watch/Americas, entidade de defesa dos direitos humanos, divulgou na semana passada um relatório sobre a violência policial urbana no Brasil no qual aponta a impunidade como estimulante aos delitos praticados por policiais.
Entre as sugestões do organismo estão: processar criminalmente os policiais violentos, estabelecer competência federal para crimes contra direitos humanos e eliminar a competência da Justiça Militar para crimes contra civis.
A entidade também sugere criar grupos de investigadores dentro do Ministério Público, proteger as vítimas e testemunhas e tornar os Institutos Médicos Legais independentes (em muitos Estados, são vinculados à delegacia-geral de polícia).
"Vimos laudos em que os policiais forjavam tiroteios e o IML comprovava", contou James Cavallaro, diretor da Human Rights Watch no Brasil.
O deputado Simões defende a independência também dos institutos periciais. "Eles estão desaparelhados e podem sofrer ingerência do condutor do inquérito, o delegado de polícia", disse.
CONDIÇÕES DE TRABALHO - Com salários entre R$ 550 e R$ 600, a Polícia Militar de São Paulo só atrai para suas fileiras pessoas com baixo nível educacional e poucas perspectivas profissionais.
A constatação é do professor Álvaro de Aquino e Silva Gullo. "A carreira não é atraente pelos baixos salários. A mão-de-obra que a procura não é qualificada. A seleção acaba escolhendo os melhores entre os piores", afirmou ele.

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