São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SOCIOLOGIA

SERGIO MICELI
ESPECIAL PARA A FOLHA

. Ação social/interação/sociologias interacionistas
(interacionismo simbólico/Blumer, Strauss, Becker; sociologia dramatúrgica/Goffman; etnometodologia/Garfinkel; sociologia cognitiva/Cicourel etc.)
As correntes interacionistas privilegiam a experiência vivida dos indivíduos, enxergando situações de interação como oportunidades de aprendizagem e negociação de significados por parte dos atores envolvidos.
O lugar de honra é conferido aos elementos da experiência social captados no decorrer da interação, inclusive aqueles indicativos de uma causalidade estrutural. Diante de um mundo social instável, fluido e mutante, os agentes revelam sua identidade pelo manejo de símbolos, infundindo significados tanto aos seus corpos, aos valores e emoções, como, por exemplo, ao sentido de suas carreiras como "usuários de drogas", "funcionários dos correios" ou "doentes em estado terminal".
As situações ligadas ao cotidiano se prestam melhor ao exame desses processos ambivalentes, por meio dos quais as pessoas desempenham papéis e gerenciam as impressões que transmitem uns aos outros em diferentes cenários. Mesmo o encontro mais banal guarda um potencial de risco, podendo trazer surpresas quanto à "rotulação" de cada participante. Um adepto convicto do interacionismo diria que o real é o que as pessoas definem como tal, como se o conhecimento do funcionamento da estrutura social fizesse de cada um de nós um sociólogo virtual em meio ao "milagre" que seria esse admirável mundo real construído pelos usos da linguagem.
A abordagem interacionista prioriza as manhas do fazer, o lado ativo e inovador das práticas, numa tendência a ver a vida por um fio no remoinho cotidiano. E as coisas se passam desse jeito por não haver garantias de sentido para quaisquer palavras ou conceitos, cada um deles estando literalmente colado ao contexto de sua ocorrência. Uma das técnicas rotineiras do interacionista consiste em pontuar as entrevistas por um reiterado "o que você quer dizer?", colocando em xeque um limiar mínimo de consenso e mostrando assim estar muito mais preocupado com as regras de produção de significados do que com os próprios nomes num registro substantivo.
Se os significados parecem "problemáticos", os interacionistas foram ampliando essa postura de desconfiança em relação a praticamente tudo, como que insinuando a marca de uma fraude inarredável em qualquer interação. Nesses termos, toda conversa é lero, enganação pura, uma maneira de esquivar o problema em discussão, sendo esse o desafio a que pretendem trazer uma resposta os interacionistas. Se é verdade que dizemos sem dizer, que falamos por sinais cifrados, orientando-nos por normas de exceção como, por exemplo, aquela segundo a qual cada um fala por vez numa conversa, cabe ao sociólogo desvendar as regras por intermédio das quais podemos criar o mundo social, qualquer que seja a posição do agente, quer um sociólogo desejoso de codificar respostas coligidas em entrevistas, quer um transexual empenhado em dar um sentido à sua trajetória.
Principais críticas aos praticantes do paradigma interacionista: negligência da estrutura social e de seus condicionantes, das dimensões políticas, do contexto histórico, dos interesses de classe, omissão das chamadas "grandes" questões políticas e econômicas.

. Estrutura social/estratificação social/sociologias históricas
(história social da cultura operária/Thompson, Hoggart, Williams; sociologia do conflito/Dahrendorf; sociologia histórica comparada/Barrington Moore Jr., Bendix, Skoepol, Tilly etc.; estruturalismos e marxismos/Foucault, Althusser etc.)
Marxistas e funcionalistas coincidiram na percepção da estrutura social como um conjunto de padrões de relacionamento dotados de uma existência própria e independente dos indivíduos ou grupos que aí ocupam posições, num dado momento do tempo. Tanto o jargão marxista dos "modos de produção" como o léxico informático parsoniano dos "sistemas" e "subsistemas" elegem como foco analítico a articulação entre os diferentes elementos de uma sociedade, ora segmentada em setores primordiais de atividade institucional, ora apropriada por meio de domínios ou instâncias que mantêm entre si relações determinadas de causalidade.
Em qualquer uma dessas versões da estrutura social como "totalidade", a questão central diz respeito a uma definição dos princípios ou elementos considerados indispensáveis à montagem, operação e transformação das relações sociais. A idéia de "estrutural" tem a ver com a capacidade de certos níveis poderem moldar outras dimensões da vida social. Por exemplo, os níveis socioeconômicos determinam as oportunidades de educação; as relações de gênero orientam o acesso às carreiras profissionais; a religião alicerça a vida familiar; as relações de produção condicionam as atividades culturais etc.
Essas proposições de causalidade coincidem na prioridade conferida aos constrangimentos coletivos em detrimento do conteúdo, teor ou direção da atividade dos agentes. Tendem portanto a enxergar as práticas dos atores individuais como uma esfera de comportamento previsível, incapaz, por si só, de exercer uma iniciativa em condições de plasmar o mundo social. A força explicativa dessa abordagem deriva de uma apreensão da sociedade em termos de estratificação, ou seja, um padrão determinado de distribuição de propriedade e renda, de educação e cultura, de prestígio e poder, entre os diversos grupos e classes.
Essa reconstrução hierárquica das formações sociais propiciou uma agenda articulada de temas, que sempre permaneceram no centro da discussão sociológica. As lutas de classes, os fenômenos de mobilidade e reconversão, as relações de gênero, as tensões entre os grupos de idade, os conflitos envolvendo etnias são alguns dos processos dependentes dessa macrodinâmica de mudança. Críticas feitas ao paradigma estruturalista: papel subalterno dos atores como agentes transformadores, com frequência tidos como meros suportes de condicionantes; manifestações simbólicas são encaradas como instâncias instrumentais de relações econômicas e políticas; tendência a minimizar as relações sociais como relações de sentido, a apreendê-las como relações "congeladas".

. Linguagens/representações/culturas/sociologias dos sistemas simbólicos
(Norbert Elias, Anthony Giddens, Pierre Bourdieu, Jürgen Habermas etc.)
Os autores dessa vertente se distinguem por privilegiar os impactos exercidos pelos sistemas simbólicos que soldam o mundo social e cuja existência independe dos indivíduos socializados nesse universo de significados.
O conceito de "habitus" em Bourdieu, a idéia de "estruturação" em Giddens e a noção de "interdependência" em Elias, fariam as vezes de mediações entre os determinismos sistêmicos e os comportamentos individuais. Esses conceitos propiciariam como que um estágio intermediário de socialização, ao longo do qual os indivíduos, quaisquer que sejam suas posições na hierarquia, teriam a oportunidade de se familiarizar com os símbolos e as representações que dão liga ao mundo social por eles partilhado.
O "habitus" seria um conjunto de padrões adquiridos de comportamento, pensamento e gosto, com "traduções" nos diferentes domínios da prática, que acaba operando um ligamento entre a força do "coletivo" e os registros caprichosos das práticas individuais. A "interdependência" entre os integrantes dos diversos agrupamentos sociais garantiria a circulação de constrangimentos, fazendo ver ao homem mais humilde os fundamentos sociais dos privilégios dos poderosos e, vice-versa, não poupando sequer os dirigentes mais arrogantes algum sentimento de responsabilidade pelas condições de pobreza e violência entre os miseráveis.
Críticas formuladas às sociologias dos sistemas simbólicos: tendência a minimizar o impacto de condicionantes político-institucionais; dificuldades em lidar com processos de causalidade histórica ou genética; pouca atenção aos mecanismos e aos agentes ligados aos processos de mudança.

Texto Anterior: SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO
Próximo Texto: SEXO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.