São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997
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A COR DA INOCÊNCIA

ALISON MOTLUK
DA "NEW SCIENTIST"

Michael Anthony Jackson está no corredor da morte na Califórnia. Há 14 anos, ele atirou e matou um policial à queima roupa com o próprio revólver do policial.
Jackson foi condenado por assassinato em primeiro grau em 1984. Agora seus advogados estão tentando reverter o veredicto. Eles argumentam que o uso contínuo de drogas afetou o cérebro de Jackson e que ele não tinha noção do que estava fazendo. E eles têm imagens computadorizadas do cérebro para provar.
As imagens computadorizadas são geradas pela tomografia de emissão de pósitrons (PET, em inglês), uma técnica que mostra, em um determinado momento, quais regiões do cérebro estão ativas.
Os advogados de Jackson afirmam que o lobo frontal de seu cérebro é anormalmente inativo. Acredita-se que essa parte do cérebro controle o julgamento.
Assim, os advogados alegam que Jackson não pode ser responsabilizado pelo disparo e que sua vida deveria ser poupada. Um juiz federal está revendo o caso e deve anunciar a sua decisão nas próximas semanas.
Número crescente
O caso Jackson integra um número crescente de casos de assassinato nos EUA nos quais imagens computadorizadas são usadas para abrandar sentenças.
Advogados de defesa estão usando as imagens para argumentar que seus clientes sofrem de distúrbios de comportamento, tais como perda de julgamento ou repressão sexual inadequada.
O número de julgamentos é desconhecido, mas eles estão se tornando comuns em Estados como Califórnia, Flórida e Texas.
As imagens têm um grande apelo em casos de assassinato, quando o júri tem de decidir se o réu deve ser condenado à prisão perpétua ou morrer pelo crime. Alguns jurados admitiram que as imagens os ajudaram a decidir contra as penas de morte.
Casos de crime como esses podem até ser extremamente emocionantes, mas as imagens estão se tornando cada vez mais populares em casos de responsabilidade civil, nos quais têm exercido influência cada vez maior.
"A quantia em jogo é maior do que a maioria das pessoas imagina", diz Alan Waxman, radiologista do Centro Médico Cedars Sinai, em Los Angeles. Vários acordos têm excedido US$ 1 milhão.
Atividade cerebral
Imagens geradas pelo PET revelam quais partes do cérebro estão ativas no momento da captura da imagem, fornecendo uma imagem instantânea do níveis de glicose usados por diferentes partes do cérebro. Quanto maior o consumo de glicose, maior a atividade naquela área.
"Mas o quanto uma imagem diz algo sobre o comportamento de uma pessoa -mesmo naquele momento, para não dizer no passado distante- é altamente controverso", disse Waxman.
"Não estamos simplesmente numa posição de usar imagens funcionais para explicar o comportamento", diz Waxman. Nem a imagem pode provar que o cérebro foi danificado por tóxicos.
"Pode ser uma evidência muito prejudicial", diz Tori Levine, advogado em Dallas, que ganhou e perdeu casos de implantes de silicone para seios para a companhia Dow Corning. Acredita-se que os implantes sejam responsáveis por doenças auto-imunes não-específicas, bem como por distúrbios comportamentais.
O resultado das imagens computadorizadas, que traduzem informações sobre a glicose usada pelo cérebro, pode ser constrangedor.
"São fotografias com cores eletrizantes", diz Levine. Waxman vai mais longe, argumentando que, na geração dessas imagens, cientistas podem usar as cores que querem, na combinação que querem. "O que pode ser uma má conduta", diz.
Evidências científicas
O debate sobre o tipo de evidência científica que deveria ser admitida nas cortes veio à tona quando duas mulheres acionaram a indústria Merrel Dow (Califórnia), acusando o produto Bendectina de ter causado defeitos no feto.
Os advogados das mulheres quiseram usar um artigo científico que não havia sido publicado, o qual mostrava a ligação entre o medicamento e os defeitos, mas, naquela época, as cortes californianas só permitiam usar como evidências artigos científicos revisados pelos pares.
A Suprema Corte estabeleceu, então, um novo padrão federal, que permite aos juízes decidir quais evidências científicas são relevantes e seguras o suficiente para serem apresentadas aos jurados.
Levine diz que juízes estão relutantes em impedir definitivamente o uso evidências científicas porque, se mais tarde forem consideradas importantes, poderão reparar alguns casos.
Helen Mayberg, neurobióloga comportamental da Universidade do Texas, em San Antonio, teme que essa abordagem esteja transformando a ciência em um suporte às salas de tribunal.
"Cientistas ainda estão tentando entender a precisa ligação entre as estruturas cerebrais e os comportamentos complexos", diz. "Enquanto as ligações permanecerem incertas, qualquer anormalidade nas imagens pode ser usada para mostrar o que você quiser."
"Se não sabemos em que lugar do cérebro está a capacidade de julgar, então como a imagem pode explicar por que o rapaz correu para o carro de polícia, tirou a arma de seu lugar e engatilhou? Explica por que, quando o policial baixou a guarda, Jackson atirou nele?"
Mayberg diz que os advogados de defesa não pretendem explicar a totalidade do comportamento. Apenas sugerem que as anormalidades cerebrais possam ter algo a ver com isso.
Uso crescente
Ela não está sozinha em sua preocupação. A Sociedade de Medicina Nuclear, órgão internacional cujos membros produzem e interpretam imagens computadorizadas, estavam tão apreensivos sobre o crescente mau uso das imagens que, em 1994, formou um comitê para estabelecer linhas de atuação sobre o seu uso.
O documento, publicado no "Journal of Nuclear Medicine", aconselha os cientistas a não tirar conclusões das imagens computadorizadas do cérebro que eles não podem sustentar. Imagens que não foram publicadas na literatura não deveriam ser apresentadas como evidência objetiva ou anormalidade comportamental.
Mas linhas de atuação são apenas linhas de atuação, e os cientistas estão livres para interpretá-las como quiserem.
Monte Buchsbaum, diretor do Laboratório PET do Centro Médico Mount Sinai, em Nova York, acredita que as imagens computadorizadas possam fornecer importantes informações à corte.
"Elas não podem medir a habilidade de discernir o certo do errado em centímetros de fluxo sanguíneo por minuto", diz, "mas podem falar muito sobre habilidades humanas como planejamento e julgamento." Ele foi testemunha de defesa dez vezes.
Joseph Wu, sucessor de Buchsbaum no laboratório da Universidade da Califórnia, em Irvine, fez as imagens computadorizadas de Jackson e interpretou os resultados para a defesa. Ele disse ao juiz ter encontrado evidências de atividades anormalmente baixas no lobo frontal de Jackson. "Os resultados são semelhantes aos observados em outras pessoas que haviam feito uso do PCP, droga conhecida como angel dust", disse.
Efeitos colaterais
A droga foi desenvolvida como anestésico, mas os médicos pararam de receitá-la devido aos efeitos colaterais: pode causar perda de memória, depressão e problemas de fala. O grupo de Irvine também acredita que a droga também afete o julgamento.
"Limitei-me a dizer ao tribunal aquilo que, nas imagens, constatei como igual ou diferente de outros usuários crônicos de PCP. Os resultados mostram que o julgamento de Jackson pode ter sido prejudicado", diz Wu.
Mayberg, que foi convocada como especialista, testemunhou que quase nada é sabido sobre o padrão produzido por usuários crônicos de PCP numa tomografia PET. O grupo de Irvine publicou só duas páginas de seu trabalho sobre PCP, e o estudo acompanhou apenas sete usuários crônicos.
Poderia Jackson ser considerado um usuário crônico e ter as imagens de seu cérebro comparadas com aquelas dos usuários crônicos, pergunta Mayberg, mesmo sabendo que ele não fez uso da droga por mais de uma década?
Ela também afirma que uma imagem computadorizada do cérebro de um homem sentenciado à morte pode ser anormal por outras razões, tal como o estresse.
Impacto
Todavia imagens tais como aquelas que Wu faz estão tendo um impacto crescente tanto em casos civis como em casos criminais. Muitos dos clientes do laboratório de Irvine têm processado companhias de seguro alegando ter doenças invisíveis, tais como a "síndrome do lobo frontal".
Imagens estruturais do cérebro usando tomografia computadorizada -uma técnica que, ao contrário do PET, mostra apenas a estrutura do órgão, não a sua atividade- não mostram nada errado. Mas a imagem PET de Wu revela anormalidade. "Isso é objetivo. Você não pode falsificar a imagem 'desligando' o lobo frontal."
Entretanto as imagens PET não são tão objetivas como querem acreditar. Como o comitê da Sociedade de Medicina Nuclear apontou, tudo pode afetar a imagem resultante, e a interpretação disso também varia. Enquanto as imagens merecerem tal reputação, casos como o de Jackson permanecerão abertos. "Na lei, se quer tudo em branco e preto. Na ciência permanecemos confortavelmente no cinza", conclui Mayberg.

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