São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997
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O novo e 'O Velho' se encontram na tela

FERNANDO BONASSI
ESPECIAL PARA A FOLHA

O século 20 só não é uma piada porque há sangue borbulhando pelos vãos e rachaduras de cada acontecimento relevante... Para o futuro, a espécie humana precisará de um suplemento cavalar de imbecilidade e intolerância para repetir os massacres e genocídios como os que assistimos ao longo desses noventa e poucos anos.
Nunca tantos se afinaram com tão poucos no que há de pior!
Em sua versão à direita, os movimentos fascistas e nazistas, que levaram à Segunda Guerra Mundial -para ficarmos num dos exemplos mais terríveis-, forneceram um número de cadáveres difícil de igualar em tão pouco tempo.
Aliás, a colaboração nacional nesse contexto, sob a batuta do senhor Getúlio "Pai dos Pobres" Vargas, não é pequena. No outro lado, mas muitíssimo perto, à cada canetada, Papa Stálin e o Grande Timoneiro Mao iriam condenar outros milhões à morte como quem dá autógrafos em guardanapos.
Conforme Jorge Semprun, em seu livro "A Escrita ou a Vida", a utopia comunista teria sido o motivo dos engajamentos mais desinteressados e suscitado os sentimentos mais "apuros", para desaguar na mais odiosa injustiça social da história recente...
Entender tamanha contradição tem entretido historiadores e desnorteado comunistas.
Estes, se ainda conseguiam manter-se alheios aos crimes do stalinismo em seu período mais sórdido, nunca mais iriam se recuperar depois do relatório secreto lido por Kruschev no 20º Congresso do PC soviético em 1956.
A queda do muro de Berlim parece ter sido apenas mais uma da série de tijoladas que ainda hoje espocam nos quintais dos camaradas.
O que aprendemos com a psicanálise feita criativamente é que aquilo que costumamos esquecer, na verdade, revela uma parte de nós mesmos que não gostamos de lembrar, que somos incapazes de enfrentar.
O problema do Brasil não é falta de memória, mas uma sólida covardia de lidar com uma história que foi, e é, das mais sangrentas da América. Uma tragédia que só não tem os seus números reiterados cotidianamente porque não convém a uma elite cultural e política, que deseja estar em dia com a globalização para manter-se onde está.
Com o filme "O Velho", podemos nos encarar com menos receio. Afinal, poucos sujeitos tiveram uma importância tão estrutural para o que o Brasil é hoje quanto Luiz Carlos Prestes.
O filme de Toni Venturi é de uma enorme generosidade para com os espectadores. Ao investigar esse homem polêmico e procurar apresentá-lo em todos os seus enfoques, faz o que parece ser uma impossibilidade para as novas gerações de cineastas: deixar de lado um certo vício de autoria que os torna eternos reificadores de sua burrice.
"O Velho" é um documentário que tem compromisso com a história e, por isso, não deixa de lado episódios em que a chamada "verdade" tem mais que muitos lados e, no mais das vezes, contraditórios.
Com esse filme, os brasileiros ganham uma daquelas raras oportunidades de se conhecer melhor. Parece pouco, mas é o máximo que um grande filme pode fazer.

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