São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997
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CENÁRIO NOVO PARA O REAL

As reservas internacionais têm garantido o sucesso do real. Esse caixa, hoje com cerca de US$ 58 bilhões, é a essência da âncora cambial.
Mas, ainda que o nível de reservas internacionais seja um indicador importante, a análise das tendências das contas externas tornou-se mais sombria nas últimas semanas.
Ao longo de 1996 houve um aumento de US$ 8,6 bilhões nas reservas internacionais em caixa. A radiografia do número, entretanto, mostra que 20% do acréscimo devido à entrada de capitais teve origem em investimentos na Bolsa, 28% foram diretamente produtivos e 52% vieram como financiamentos e empréstimos.
O maior peso dos empréstimos e financiamentos sugere cautela.
Afinal, crédito é sinônimo de confiança e disposição dos credores a correrem riscos. Mas hoje, com a mudança na economia norte-americana, cujas taxas de juros voltaram a subir, a disponibilidade de recursos livres para mercados emergentes, como o Brasil, tende a diminuir. Nas últimas semanas, o fluxo cambial já deu sinais de instabilidade.
Há também de se levar em conta o desempenho desfavorável da balança comercial. O Brasil, insistem as autoridades, é um "global trader", ou seja, exporta para mercados nos EUA, Europa e Ásia. Mas, agora que o dólar se valoriza frente a outras moedas, o real o acompanha, dificultando ainda mais o aumento das exportações brasileiras.
Não surpreende portanto que fora do governo apontem para um desequilíbrio já em 1997 no comércio exterior da ordem de US$ 10 bilhões e para um déficit em conta corrente (que soma ao comércio os fluxos de serviços, como pagamento de juros sobre empréstimos) de cerca de US$ 30 bilhões ou 4% do PIB. Muitos esperam até perda de reservas.
Já não há, portanto, como negar a realidade de uma preocupante fragilização das contas externas.
As reservas internacionais continuam altas, mas a dinâmica tanto de comércio quanto de serviços preocupa cada vez mais. Principalmente num ambiente de alta dos juros externos, ou seja, de provável retração de credores e investidores globais.
O governo, felizmente, já abandonou o "discurso de avestruz" e outras versões recauchutadas da teoria "Brasil, ilha de tranquilidade em meio à tormenta". Há um sentido de emergência na sucessão de medidas tópicas anunciadas a cada semana.
Para alguns, o governo estaria abraçando uma política industrial. Os "paulistas" (como Kandir ou os irmãos Mendonça de Barros) estariam imprimindo uma orientação mais pragmática à política econômica.
Mas políticas industriais são polêmicas no mundo todo. E é bastante duvidoso que o governo brasileiro já tenha uma. Há três questões fundamentais ainda mal respondidas.
A primeira, talvez a mais relevante, é saber se o horizonte que ampara as decisões é de curto ou de longo prazo. Quanto mais próxima do curto prazo, mais uma política industrial corre o risco de ser apenas casuísta. Um exemplo evidente e atual é usar instrumentos como tarifas de importação e proteção setorial para corrigir um déficit comercial.
A segunda questão diz respeito à necessidade de consistência entre políticas econômicas. No debate internacional, insiste-se na necessidade de visões estruturais para a formulação de políticas industriais.
A proteção errática de setores põe em risco a coerência da política econômica e a eficiência da economia.
É ainda bom lembrar que políticas industriais, com horizonte de longo prazo, são mais eficientes e aceitáveis se a sua duração é limitada.
As mudanças no cenário externo lançam maiores dúvidas sobre os dogmas que se usavam no governo para justificar a "âncora cambial", como a tese de que o déficit externo se equilibra espontaneamente.
A sua correção é necessária e urgente, com políticas de curto prazo. Mas é preciso não confundir esse ajuste das contas externas com a construção de uma nova estrutura econômica. Esta pode até valer-se de políticas de apoio a certos setores.
Misturar os problemas externos com a formulação de um novo modelo de desenvolvimento é correr, mais uma vez, o risco de ver o Estado camuflar o casuísmo com um discurso que aparenta racionalidade.

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