São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997
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A hipocrisia do Planalto

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Há mais de dois anos no cargo, o sr. Fernando Henrique Cardoso vive um grande dilema. Não descobriu ainda como conciliar seu lado sociológico, que faz belos diagnósticos sobre a realidade brasileira, e o seu lado de primeiro mandatário da República, que deveria executar um mínimo daquilo que o sociólogo sugere.
Ainda na semana passada, o presidente-sociólogo fez um discurso, na abertura de um seminário internacional sobre emprego e relações de trabalho, que apontava para uma nova forma de desemprego, causada pela tecnologia da globalização. Os "inempregáveis" formam um novo grupo de excluídos, que não tem chance de ser absorvido pelo mercado.
Portanto, prossegue a fala presidencial, não se deve esperar que o mercado apresente a solução do problema. Muito pelo contrário, o mercado somente acentuará a tendência "natural" de maior concentração de riquezas, beneficiando apenas aqueles que já têm os melhores padrões de vida. Logo, cabe ao Estado e à política fazer aquilo que o mercado é incapaz de realizar.
Magnífico, sr. presidente, sobre isso estamos perfeitamente de acordo. Mas o que tem feito o chefe da nação para domar as forças de mercado e fazê-las funcionar em benefício do grande número de excluídos e de "inempregáveis"? Praticamente nada.
Muito pelo contrário. Tem deixado a nação à mercê das forças predatórias do grande capital internacional, que está pouco se lixando em saber se haverá mais ou ou menos desempregados aqui dentro.
Para começar, não creio que a proliferação de trabalhadores tecnologicamente despreparados para os novos postos de trabalho deva ser encarada como uma fatalidade irremediável. Cabe, sim, ao Estado buscar fórmulas de reciclagem e inclusão dos trabalhadores no novo mundo do trabalho.
Sabemos, entretanto, que o governo brasileiro não tem propriamente se esforçado em promover programas de treinamento e reeducação. O trabalhador brasileiro continua tendo um dos menores índices de escolaridade no contexto dos países emergentes. São apenas 3,8 anos de estudos do nosso trabalhador, contra mais do que o dobro em Coréia do Sul, Japão e outros países.
Não é mais segredo para ninguém que a educação é a chave para a competitividade e a habilitação dos trabalhadores para o futuro.
Por que, então, nosso governo de professores não desloca recursos do Proer para financiar uma educação mais moderna e consistente? Ou será que o presidente e o ministro da Educação não estão acompanhando a verdadeira corrida entre os principais países do Globo para melhorar a habilitação educacional de seus trabalhadores?
Uma pesquisa sobre os padrões de educação em 41 países, recentemente publicada no "The Economist", nem sequer menciona o Brasil. No topo da lista dos países com melhores índices educacionais, situam-se os países que vêm apresentando maiores taxas de crescimento e maior poder de competição, tais como Cingapura, Coréia do Sul, Japão e Hong Kong.
São países que investiram em novos métodos educacionais, na formação dos professores e na saúde dos alunos. Tudo o que o governo brasileiro não está fazendo.
Além disso, não é verdade que a globalização ou o novo padrão tecnológico esteja impondo necessariamente crescentes taxas de desemprego. Para os países que conseguem reciclar sua mão-de-obra e têm alto nível educacional, o desemprego ficou estacionado e até caiu.
No Japão, não passa de 3,3% da população ativa; nos EUA, 5,3%. Já no Brasil, o desemprego é crescente, e o governo não só relega a educação e os demais serviços sociais a segundo plano como nem sequer se preocupa em implementar políticas de emprego.
O presidente fala com desdém da reforma agrária, como algo indigesto que o movimento dos sem-terra e a pressão da sociedade o obrigam a engolir, mas que ele tem dificuldade de digerir. E, no entanto, seria uma ótima solução para criar empregos na agricultura e aliviar a pressão sobre as grandes cidades.
Ainda nesta semana, ele chamou de "hipócrita" quem pede pressa na reforma agrária, porque não haveria recursos para fazer mais.
Ora, sr. presidente, uma semana depois de ter dado R$ 5,4 bilhões para o Bamerindus e um banco estrangeiro, o senhor vem dizer que não tem recursos para acelerar a reforma agrária? Quem é hipócrita nessa história? E depois não querem que o MST marche para Brasília, chamando a atenção da nação para um problema que padece do maior descaso das autoridades.
O que está faltando não são recursos, porque este governo possui a maior arrecadação de toda a história do Brasil e tem dado grandes somas para os banqueiros. Falta, isso sim, coerência entre o discurso oficial e a ação prática do governo, que deveria deixar de ser hipócrita e sobretudo ter vergonha na cara.

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