São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997
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As reformas constitucionais

GERALDO BRINDEIRO

Em artigo de minha autoria intitulado "Cruzadas e reformas" (Folha, 1º/4), procurei enfatizar que cruzadas moralizadoras periódicas são importantes, mas não suficientes para alcançar os resultados desejados no combate eficiente à criminalidade organizada e à corrupção.
Para evitar a impunidade, é preciso realizar reformas para modernizar e aprimorar a legislação penal e processual penal, introduzindo tipos penais inexistentes como a "lavagem de dinheiro" ("money laundry", na expressão do direito comparado há décadas), o "plea bargaining" do direito anglo-americano (como o fizeram inúmeros países da Europa continental) e mudanças nos conceitos de sigilo fiscal e bancário, segundo modelos de países da maior tradição constitucionalista e de respeito à privacidade, como os EUA, sem que isso implique prejuízo às investigações criminais e ao combate aos parasitas e impostores.
Devo tratar agora da consolidação do Estado Democrático de Direito no país às vésperas do terceiro milênio. Cruzadas cívicas são importantes, mas não suficientes. É preciso realizar reformas. Reformas constitucionais.
Na nossa história republicana tivemos pequenos oásis democráticos no meio de longos períodos de regimes de força. É preciso realizar reformas políticas para aprimorar os sistemas eleitoral e partidário e garantir a estabilidade do regime democrático, superando definitivamente as dificuldades tradicionais da cultura política.
É preciso ainda realizar reformas constitucionais para assegurar a governabilidade a que se refere Norberto Bobbio.
A modernização do Estado, diminuindo o seu tamanho e reduzindo a burocracia, as reformas fiscal e da Previdência e a revisão do pacto federativo são indispensáveis, não apenas para permitir maior eficiência na sua missão constitucional de promover a segurança, a Justiça e o bem-estar, mas também para viabilizar maior controle e eficiência na gestão administrativa, dificultando a corrupção.
A reforma constitucional do Judiciário é também necessária para evitar a lentidão na prestação jurisdicional, o acúmulo de processos repetitivos e o abuso de recursos protelatórios. A garantia da prestação jurisdicional, com a devida presteza e sem procrastinações, é corolário do devido processo legal.
O acesso ao Judiciário e o "due process of law", garantidos pela Constituição (artigo 5º, incisos 35, 54 e 55), asseguram o duplo grau de jurisdição, mas não recursos intermináveis.
Os recursos extraordinários ou especiais nos Tribunais Superiores -que não tratam de questões de fato, mas apenas de questões hermenêuticas de direito nos campos constitucional e infraconstitucional- têm, no entanto, se tornado os mais comuns, e de "extraordinários" ou "especiais" só têm mesmo o nome.
Penso, assim, que a adoção de súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal e outras medidas poderão trazer importantes benefícios para a maior credibilidade do sistema jurídico. Sugiro, ainda, como alternativas na reforma constitucional, a fixação do duplo grau de jurisdição como regra inerente ao devido processo legal, e o não cabimento de recursos extraordinários ou especiais se a decisão recorrida for baseada em súmula de tribunal superior.
E proponho, finalmente, a adoção de norma expressa na Constituição da República sobre a admissibilidade de tais recursos somente se acolhida arguição de relevância da questão federal no STF e no STJ, segundo o modelo do "writ of certiorari" da Suprema Corte dos EUA, que decide sobre o que julgar.
Um autor francês já disse que o jeito brasileiro pode ser definido como "uma maneira engenhosa de tornar o impossível possível; o injusto, justo; o ilegal, legal" (vide C. Morazé, "Les Trois Âges du Brésil", 1954).
Prefiro acreditar, com otimismo invencível e convicção profunda, como o saudoso sociólogo Gilberto Freyre, que o jeito brasileiro "é o talento para o compromisso, a chave para o sucesso do Brasil no desenvolvimento de uma sociedade moderna, forte e humana na América tropical".

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