São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997
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Beleza comprada

DEBORAH GIANNINI; JONI ANDERSON

Empresários, publicitários, médicos e surfistas, os homens incorporam preocupações com gorduras localizadas, rugas e roupas de grife
POR DEBORAH GIANNINI E JONI ANDERSON
Antigamente, o máximo que uma necessaire masculina carregaria seria uma espuma de barbear e uma loção pós-barba. Hoje, não é raro encontrar em uma dessas bolsinhas cremes hidratantes, anti-rugas com vitamina C, adstringentes, perfumes e até gel redutor (para combater gorduras localizadas).
Mesmo tachados de "pavão" (por algumas mulheres) e "engomadinho" (pelos homens), os vaidosos perderam a vergonha de mostrar que se gostam, criando um novo e promissor mercado de consumo: já compram tantos cremes e grifes quanto as mulheres.
Para os vendedores -de roupas ou de cosméticos-, eles são uma bênção: escolhem rápido, são fiéis a marcas, não pechincham e compram em grandes quantidades.
O empresário da área de comunicação Benjamim Mellinger, 33, gasta metade do que ganha com "coisas que melhoram a aparência". De restaurantes caros a roupas de grife e cosméticos. Faz mãos e pés, massagem com bálsamos e sauna.
Adepto da medicina ortomolecular, faz de tudo para adiar o inevitável. "Tenho cuidado com o envelhecimento. Cuido da cara, mas, quando achar que chegou a hora, vou fazer plástica sim."
Cosméticos importados são os seus souvenirs preferidos. Em viagens, reserva uma mala para produtos garimpados em Nova York, Milão e Londres. Nela voltam cremes, pílulas e esfoliantes.
Mellinger usa três desodorantes (pés, corpo e axilas), toma as vitaminas A, E e B12 diariamente, além de pílulas para revitalizar unhas e lábios.
Ele afirma que o retorno de todos esses cuidados acaba sendo negativo. "Sou vaidoso para mim mesmo, porque existe muito preconceito em torno da vaidade masculina. A mulher nova-iorquina faz questão que você esteja com um terno bem cortado, um cabelo legal. Aqui, não. Quanto mais bem tratado você está, mais aparenta pouca masculinidade para elas", diz.
O empresário diz que enfrenta os outros "numa boa". "Não deixo de usar as minhas roupas, mas sinto que fica todo mundo olhando, tirando sarro." Ele ataca o preconceito com preconceito. "Acredito na teoria do 'choque, chique e cheque'. A brasileira está interessada num homem que dê muito no couro (choque) e tenha muita grana (cheque). Falou em inteligência e beleza masculina (chique), há uma certa resistência."
Sua namorada, uma advogada de 32 anos, seria uma exceção. "Ela é tão vaidosa quanto eu e me dá a maior força. Não falamos disso o tempo todo, mas, se aparecer o assunto, trocamos dicas de cremes."
Máscara de lama italiana
O cirurgião-vascular Roberto Tulli, 53, é outro adepto dos cremes. No armário e sobre a pia do banheiro não há mais espaço: são dezenas de potes, de anti-rugas e esfoliantes a máscaras e autobronzeadores, a maioria da marca italiana Borghese e da francesa Lancôme.
Tulli não se importa em gastar horas na frente do espelho. Antes de dormir, usa um creme à base de ácido glicólico, hidratante e faz aplicação de patches (adesivos) de vitamina C. Pela manhã, "se está com a cara boa", passa só um hidratante. Se não está, faz compressas frias para amenizar olheiras e aplica um produto que estimula a produção de colágeno e elastina para "esticar os olhos".
Uma vez por semana faz um "peeling leve", e, quando tem tempo ou está com o rosto cansado, aplica uma "máscara de lama". Em cosméticos, gasta cerca de R$ 200 por mês.
Para acabar com os vincos no rosto, Tulli começou seu tratamento de beleza aos 40 anos. Aderiu à medicina ortomolecular, fez plástica para tirar as bolsas sob os olhos e suavizou os riscos ao redor da boca com a aplicação de uma substância. Sua mais recente medicação é o Botox, uma droga que paralisa a musculatura do rosto, evitando as marcas de expressão.
O médico já disfarçou os fios de cabelo branco por muito tempo, mas hoje quer ser grisalho. "As amigas da minha filha de 18 anos dizem que eu fico melhor assim, então estou deixando", diz Tulli, que namora uma garota de 22 anos (leia texto na pág. 12).
Com 83 kg e "propensão a engordar", ele não almoça. Por volta do meio-dia, toma dois comprimidos que dão a sensação de estômago cheio e bebe um suco cítrico (limão ou abacaxi), sem açúcar. Quando não resiste a um cheesecake, passa o dia seguinte na maior dieta.
Nas viagens que faz a cada 40 dias para a Itália, onde dá aulas em uma faculdade em Siena -Tulli é especialista em impotência sexual-, vai a Milão fazer compras nas lojas Versace e Armani. O médico já tem oito armários cheios de roupa.
Lixa de unha no escritório
Ao contrário de Tulli, o corretor de imóveis e empresário Humberto Pinto Jr., 36, descobriu a vaidade recentemente. Desde que conheceu a nova namorada, há um ano, começou a se tratar: passou dos 108 kg para os 86 kg em apenas quatro meses, trocou a vida sedentária pela academia, começou a fazer limpeza de pele, retirou verrugas do rosto e deixou o cabelo crescer. De quebra, começou a fazer terapia com um psicanalista.
"Com o tempo, você começa a colocar as mangas de fora: a minha namorada despertou o gosto pela vaidade e eu o aperfeiçoei", diz. Seus gastos com a aparência hoje chegam a R$ 1.800,00 mensais, mas "valem a pena".
Um dos sócios de Humberto, o publicitário Alessio Casteli Jr, 26, passou por uma transformação semelhante. Depois de formado, entrou em um ritmo frenético de trabalho, ganhou 20 kg e acabou perdendo a namorada, uma modelo. "Ela não me cobrava a beleza, mas o amor próprio", diz o publicitário, hoje com 10 kg a menos.
Do relacionamento, que terminou há alguns meses, ficou uma lição: "Você tem que ter um corpo competitivo, é um cartão de visitas. Se você é apresentável e simpático, uma garota te dá abertura para mostrar que você também é romântico ou intelectual. Mas, se você não tem esse cartão de visita, nem passa para a segunda fase."
Agora, Castelli Jr. faz diariamente bicicleta, abdominais e flexões, passa perfume, toma banhos demorados e não se separa de uma lixa, que usa para retocar as unhas até no escritório. "Ser vaidoso não é ser narcisista ou egoísta. A vaidade me colocou de novo em primeiro lugar. Hoje, escrevo o dia para mim", diz Castelli Jr., que está sem namorada.
O terceiro sócio do escritório, o administrador de empresas Guilherme Buarque Goulart, 31, casado, é o mais avesso a arroubos de vaidade. "É absurdo. Tem cara da minha idade, com um corpo normal, que faz lipoaspiração para a barriga ficar mais definida", diz.
O máximo que Goulart "se permite" é um desodorante importado sem cheiro, gel para peles sensíveis e um vidro de perfume que carrega na pasta, mas para o qual tem uma desculpa: "Trabalho em um ambiente onde todos fumam, saio de lá parecendo um cinzeiro."
Nó no pescoço
Assim como algumas mulheres têm tara por bolsas e sapatos, o diretor de marketing de uma rede nacional de shopping centers Thomaz Naves, 33, não pode ver uma gravata.
"Se eu comprar uma gravata agora e daqui a meia hora achar outra legal, compro também. Depois posso ficar chateado se não encontrar outra", diz Naves, que tem 400 gravatas.
Para Naves, a vaidade tem justificativa profissional. "Acho que se uma pessoa de marketing não cuida da própria imagem, não vai conseguir cuidar da imagem de um produto."
Ele renova seu armário a cada seis meses. Embora more no Rio, seus ternos são feitos pelo estilista paulista Ricardo Almeida. No verão, comprou oito ternos e um blazer, mas diz que não lembra quanto gastou.
Solteiro, com uma namorada recente, Naves gostaria de se cuidar mais, fazer um esporte, mas não tem tempo. Cremes? "Ainda não cheguei a esse ponto. Só faço a unha do pé por causa de uma unhazinha que me incomoda desde pequeno", diz.
Talquinho da mamãe
O fraco do empresário Robson Barros de Almeida, 28, são os banhos de espuma. Seu recorde foram três horas em uma banheira com óleos e sais -o "normal" são 30 minutos no banho.
"Não consigo deixar de passar um xampu, creme rinse. Fui criado assim, minha mãe sempre passou muito creme, talquinho", explica-se Robson, que foi há cinco anos Paquito do Xou da Xuxa.
Seu tratamento de beleza inclui manicure (em casa), pedicure, hidratantes para o corpo, massagens e cremes indicados por amigas e namoradas. Duas vezes por mês, uma senhora vai ao apartamento dele, no Morumbi, fazer massagem com creme redutor de algas e hera. "Já fui mais vaidoso. Aos 18 anos, tive um acidente de moto que mexeu muito com a minha cabeça. Deixei algumas coisas de lado e hoje tomo apenas os cuidados básicos", acredita.
O irmão de Robson, Carlos Eduardo, 29, que trabalha com ele na empresa de sonorização do pai, faz a linha mais esportiva: cultua o corpo, mas não tem problemas em dividir o mesmo creme com a namorada.
"Gosto de ficar cheirosinho, ter o corpo em forma, mas não chego a ser aquele cara chato que perde a hora para ficar passando creme", diz.
Ele acha que o fenômeno é geral entre os homens. "Mesmo na minha galera que pega onda, 70% dos homens são vaidosos, embora não admitam. A gente abre a porta do quarto e o cara está lá, passando creme escondido."
Como o Fagundes
Da ala masculina que se assume, o acupunturista Felinto França, 44, 1,65m e 83 kg, não tem físico de galã, mas tem um tratamento de beleza à altura. Frequenta cabeleireiros, faz massagem, limpeza de pele, manicure e pedicure. Com cuidados pessoais, gasta R$ 3.000 por mês, incluindo as roupas de grife.
Recentemente, deixou de pintar os cabelos para ficar "parecido" com o ator Antônio Fagundes -exigência da mulher. E só não faz academia porque diz ter desenvolvido um método que controla o próprio peso. "Vaidade e saúde têm de andar juntas."
Nascido em Fernando de Noronha, faz questão de manter o bronzeado tomando sol diariamente de 15 a 20 minutos. No inverno, pretende trocar a piscina por uma câmera de bronzeamento artificial. Diz ainda que evita rir demais para prevenir rugas.
"Só vejo uma beleza que consegue se manter com o passar do tempo, que é a de Tônia Carrero. Deus queira que eu fique igual", afirma.
100 perfumes
Para o publicitário Fábio Lopes Siqueira, 40, vice-presidente de criação da agência MPM Lintas, vestir-se é como "usar uma fantasia".
"Às vezes, acordo achando que sou um personagem do Armani, aí coloco um terno italiano. No dia seguinte, acho que estou mais para Gaultier e ponho uma roupa dele", explica.
Por causa dessa variação de humor, Siqueira vai trabalhar segunda-feira "fantasiado" de jovem executivo e, na sexta-feira, de camisa estampada, jaqueta de couro colorida, bota de couro de cobra e sete anéis de prata na mão.
Para manter tantos estilos, ele tem quatro armários de roupa. "Compro impulsivamente: passo, vejo, gosto e levo", afirma. Só de jaquetas de couro, ele tem 30. Perfumes, são 100.
Na última viagem a Nova York, gastou US$ 6.800 em roupa em quatro dias. "Você tem dificuldade de se aproximar de uma pessoa muito sisuda ou extravagante demais. Mas, se ela mistura extravagância com bom humor, se torna agradável socialmente."
Ele considera o homem tão ou mais vaidoso que a mulher. "Mas ela não precisa disfarçar. O homem, por causa daquela coisa de acharem que é gay, tem de esconder. Não existe nada mais sinalizador dessa vaidade do que a proliferação das academias de ginástica, porque a vaidade do homem é mostrar que é másculo."
Ternos na garagem
Também apaixonado por roupas, mas fazendo uma linha bem mais discreta, o arquiteto Levi Rosenfeld, 40, adora ternos, embora não precise usá-los para trabalhar.
Sua marca preferida é a italiana Versace porque seus modelos caem perfeitamente no seu 1,94 m.
Em seu pequeno apartamento em Santa Cecília (centro), acomoda 25 ternos em dois armários: um no quarto e outro que fica na garagem, por falta de espaço.
Depois do banho, se quer vestir alguma roupa que está lá embaixo, pede à empregada Mariana, que vai buscar correndo.
"Gosto de ternos sóbrios. Como sou alto, já chamo bastante a atenção com coisas discretas. Imagine se eu entro num lugar com aqueles ternos coloridos do Versace, vai ser eu e o Falcão", diz. Também gosta de sapatos de grifes, como as marcas italianas Boticelli e Salvatore Ferragamo. "Se é um bom sapato, gasto até R$ 400."
Para ele, comprar é um "prazer enorme". "Há 15 dias, precisava de uma calça para ir a um jantar, mas acabei levando duas calças, uma camisa e um sapato. Quando a vendedora diz 'ah! ficou ótimo', eu não resisto."
Do empresário paulista ao arquiteto pernambucano, os homens mostram que sucumbiram à sedução dos cremes e roupas. Gastando milhares de dólares e horas em frente ao espelho, provam que o gênero masculino também tem pânico de envelhecer -ou de que todo mundo note aquela ruguinha nova que apareceu no canto do olho esquerdo.

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