São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997
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Juca, joga as chaves

MARCELO MANSFIELD
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando a moda entre as adolescentes era rabo-de-cavalo, ele, um homem feito, usava um coque. Quando todos os comediantes usavam artifícios como a imitação (aliás, usam até hoje nos patéticos dois programas de humor que ainda existem), ele usava sua própria voz para destruir os ícones de uma ditadura que destruía a cultura do país.
Se, hoje em dia, uma peruca e a falta de alguns dentes transformam um João Ninguém em um ídolo, por fazer de sua mulher uma odiosa figura politicamente incorreta, ele, famoso comediante, falava do seu amor pela mulher amada com uma poesia de fazer inveja a um grande amante.
Tempos atrás, um conceituado diretor me disse que meu humor era muito sofisticado para a inteligência do povo brasileiro. Talvez baseados nessa filosofia, ainda temos que aguentar imitações de Roberto Carlos ou do destruidor Fernando Collor num dos programas de maior audiência do país: eles, os diretores, as cabeças coroadas que pensam e acreditam nisso, impedem o público, verdadeiro sustento da programação, de ter uma opção de riso espontânea, que não sejam as risadinhas forçadas à exaustão em cena aberta ou o velho recurso do "saco de risadas".
Que pena. Obviamente, nunca ouviram falar de Juca Chaves. E, se ouviram, têm medo de perder suas posições privilegiadas junto à alta cúpula, caso se envolvam com "essa turma do humor inteligente".
Juca Chaves não fazia imitações. Não ria de suas piadas para convencer o público de sua graça. Ele batia de frente nas bobagens reinantes.
Falava de seu Jaguar, como se esse fosse o meio de transporte mais comum do mundo. Destruía a chamada "classe dominante", criando frases do tipo "Coisas que as más meninas de boas famílias fazem", ou a igreja, ao declarar que duas freiras ao verem um sujeito urinando na rua disseram: "Olha, ele é judeu!!!". Seus espetáculos solo, recheados de crítica à ditadura, acabavam na cadeia, onde a cada saída se esperava comentários do tipo "O caviar é horrível, mas a champanhe estava ótima".
Quando o circo entrava em estado de coma, ele montou o seu, "Sdruws", e arrastou um montão de gente que não conseguia tirar os olhos dele -sentado num banquinho com seu violão-, mas que esperava ansiosamente por uma batida policial que o levaria de novo à cadeia. Com o mesmo violão servindo de disfarce, posou nu para a então recém-lançada revista "Ele e Ela", causando mais furor ainda. Se Mae West, nos anos 30, inventou a censura, Juca Chaves a transformou em instituição.
Com a abertura política, seu humor perdeu o efeito. Seus discos com desenhos de capa inspirados em vasos sanitários eram coisa da ditadura.
A nova ordem política, que acabaria com a censura, não era, como se esperava, a revitalização do humor inteligente, mas sim o seu fim. De lá pra cá, tivemos que suportar o velho banco da praça e suas piadas radiofônicas ou o humor deprimente dos domingos à noite, quando o público, por falta de opção, tem de rir de uma imitação ou outra, ou achar engraçado a graça que um elenco acha de si mesmo. Mesmo que 150 milhões de pessoas não achem tanto.

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