São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 1997
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Falta previsibilidade à Justiça do país, diz Jobim

MARTA SALOMON; SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Às vésperas de fechar o circuito completo nos três Poderes da República e assumir uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal), Nelson Jobim, 51, afirma que é baixa a "taxa de confiabilidade" da Justiça brasileira.
Sem afagos aos colegas da mais alta Corte do país, Jobim afirma que o Poder Judiciário tem de cumprir três requisitos: garantir amplo acesso do cidadão, ser previsível e rápido nas decisões.
Ele toma posse amanhã, depois de dois anos e quatro meses como ministro da Justiça do presidente Fernando Henrique Cardoso. Jobim não tem dúvidas sobre o maior desafio imediato de seu sucessor no ministério, ainda indefinido: depurar a segurança pública da herança do regime militar.
*
Folha - O sr. vai assumir a vaga no Supremo num momento de confronto entre o Executivo e o Judiciário. Quem está com a razão?
Nelson Jobim - Em primeiro lugar, não há um confronto real, mas um confronto linguístico. As instituições estão funcionando, e o Executivo tem tido sucesso na sua administração. Basta ver o prestígio pessoal do presidente da República. Então, não vejo nada mais do que arroubos verbais.
Folha - Mas nesse confronto, que o sr. chama de linguístico, o presidente cobrou do Judiciário a iniciativa de reformar sua estrutura, e o ministro Sepúlveda Pertence (presidente do STF) disse que a reforma não tinha saído por falta de empenho do próprio governo. De quem é a culpa?
Jobim - O presidente se referiu a reformas regimentais que possam acelerar o procedimento interno. Não se imagina que a reforma exclusiva da Constituição vai mudar tudo. É a velha concepção bacharelesca, que acha que reforma é alterar lei, quando, na verdade, você tem alteração de procedimentos internos.
O que pode ser feito? Uma das coisas é escrever menos. Outra: creio que há necessidade de um juízo crítico interno. Às vezes, a discussão se limita a estabelecer quem tem mais poder.
Por exemplo, na discussão da súmula vinculante, os juízes de primeiro grau criticam. Isso é falso. Está se definindo que as interpretações da lei, feitas de forma reiterada pelos tribunais superiores, consolidam-se e passam a ser obrigatórias para todos.
Eu tive uma atividade muito intensa no Congresso e cheguei à seguinte conclusão: a lei, quanto mais clara, menos maioria consegue. Cada vez mais se introduziram na lei brasileira advérbios de modos e adjetivos. Então, quando não há uma hegemonia de pensamento dentro do Congresso, a ambiguidade da lei é condição para a sua aprovação.
Folha - É esse o motivo de tantas leis ambíguas, leis contestadas?
Jobim - É. Então, se você diz que a autoridade judicial pode escolher aleatoriamente qualquer sentido para a interpretação das leis, você está passando insegurança ao cidadão.
Há pesquisas muito interessantes feitas por organismos internacionais vinculando o nível de confiabilidade do Poder Judiciário à taxa de desenvolvimento. Ninguém faz investimentos de longo prazo quando tem sistemas judiciais não confiáveis.
Para ser confiável, a Justiça precisa atender a três pré-requisitos: primeiro, o acesso; segundo, previsibilidade de suas decisões; terceiro, a produção de sentenças em tempo tolerável.
Folha - Qual seria a taxa de confiabilidade da Justiça brasileira?
Jobim - Tratar do sistema brasileiro como um todo, não tem como. O nível de acessibilidade aumentou. Mas não se conseguiu um nível de previsibilidade. Está longe de dez, numa escala de zero a dez, porque há uma grande distorção.
Há quem encare o Poder Judiciário como espaço para o exercício de sua biografia, presta concurso e vai para o Poder Judiciário manifestar suas opiniões pessoais. Esse tipo deve ir para o Parlamento. Precisa é trabalhar para que o Poder possa desempenhar sua função dentro do espaço democrático.
Folha - Por falar em biografia, o sr. completa agora um circuito pelos três Poderes da República. Quando entrou no Ministério da Justiça, uma das principais preocupações era combater a lavagem de dinheiro. O Brasil é uma grande lavanderia?
Jobim - Poderá vir a ser. O Brasil tinha um instrumento de defesa contra a lavagem de dinheiro que era a inflação. Calcula-se que, a cada US$ 100, a lavagem custa de US$ 30 a US$ 50. Se você tem uma inflação mensal de 40% ao mês, o produto da lavagem sofre uma brutal desvalorização.
Com a estabilização, o Brasil começa a ser um universo para a lavagem de dinheiro. E aí precisa ter legislação. Está no Congresso o projeto que tipifica o crime de lavagem de dinheiro e tenta prevenir isso. Os bancos, por exemplo, ficariam obrigados a comunicar operações suspeitas.
Folha - Qual é o principal problema que fica no Ministério da Justiça para o seu sucessor? É a desmilitarização da Polícia Militar?
Jobim - A questão conjuntural imediata principal é avançar na discussão sobre a segurança pública, ver o que a União pode fazer. E não pode fazer muita coisa por conta da autonomia dos Estados.
Há aí um conjunto de fatos -de Diadema, Cidade de Deus, Eldorado dos Carajás, Corumbiara. Os dois primeiros são ações de pequenos grupos, e os dois outros são ações policiais globais, coletivas. A visualização desses fatos tem um poder pedagógico tremendo, mas não podemos extrair desses fatos a negação total da atividade policial. Imagine o seguinte: que as polícias militares, em face de toda essa crítica, resolvam cruzar os braços. Vai dar uma confusão imensa.
Folha - O sr. é contra um julgamento generalizado?
Jobim - Há um grupo organizado pelo Ministério da Justiça para fazer uma grande análise da polícia. Qual é a pergunta que se faz? Esse comportamento permeia toda a autoridade policial? Ou é um problema de instrução, de lógica, de formação?
A Polícia Militar tem a seguinte história: antes dos anos 30, as PMs eram uma espécie de exército dos governadores, até mais poderosas do que o Exército. A partir de 1934, a PM passou a sofrer o controle do governo federal, na definição dos efetivos e nos armamentos.
Quando chegou em 64, a doutrina da segurança nacional produziu a tese de uma guerra revolucionária interna. A União passou a controlar também a instrução, e os comandos passaram a ser exercidos por oficiais do Exército. Os policiais, em vez de cuidar da segurança pública, eram treinados para abater o inimigo. A partir de 88, a instrução voltou à competência dos Estados, mas esse problema não se resolve rápido.
Folha - Ao completar o circuito pelos três Poderes, o sr. sai convencido de que a reforma na Constituição precisa avançar?
Jobim - Sem dúvida. O momento em que se fez a Constituição (1988) era de grande desconfiança em relação às instituições. O grande debate, na época, não era entre instituições, mas entre corporações. O avanço importante foi em relação às garantias e aos direitos individuais. Os equívocos em relação à ordem econômica foram corrigidos. Não avançou nada em relação à definição do Estado.
Folha - O sr. defende uma ampla revisão?
Jobim - Não dá para dizer agora se precisaremos de uma grande revisão daqui a alguns anos. Caso contrário, pára tudo no Congresso e se espera por ela. Depende do resultado que tivermos agora.
Folha - Na condição de ministro do STF indicado pelo presidente, o sr. vai se considerar impedido de julgar processos em que o governo for parte?
Jobim - Vou lidar como qualquer outra matéria. Quanto a isso, não há problema nenhum. Isso faz parte do processo democrático. O STF não é um tribunal de carreira. É um tribunal que se forma por indicações do presidente da República, aprovadas pelo Senado.
Folha - FHC já se queixou, várias vezes, do STF. O sr. acha que ele tem motivos para isso?
Jobim - Eu prefiro não opinar sobre isso, porque eu estaria julgando o juízo do presidente.
Folha - O sr. vai ser interlocutor do presidente no STF?
Jobim - Continuarei a interlocução com qualquer pessoa, sem nenhum constrangimento.
Folha - O que o sr. achou do acordo que exclui o presidente da República, ministros e parlamentares do teto salarial de R$ 10,8 mil?
Jobim - Prefiro esperar que seja votado.

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