São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 1997
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Social-democracia

JOÃO SAYAD

Hotéis e restaurantes têm nomes misteriosos. Ritz, Esplanada, Luxor ou então, aqui no Brasil, Avenida, Central. O que quer dizer Ritz, onde está a esplanada, por que Central se está tão longe de tudo?
O que aconteceu com a social-democracia brasileira, francesa e espanhola?
Não serve a resposta "eles aprenderam que mercado, concorrência e privatização são as melhores soluções". Por que mudaram de idéia se a realidade de pobreza, desemprego e concentração da distribuição de renda não mudou, ao contrário, se agravou nos últimos 20 anos em todos os países da Europa e nos Estados Unidos?
Será que o pensamento social-democrata ainda existe, mas as forças poderosas do capital financeiro internacional, dos mercados e da concorrência internacional silenciaram sua voz? Será que o mercado impede que no Brasil, na França e na Espanha, pelo menos, o governo faça investimentos em áreas estratégicas do desenvolvimento industrial, impede que a distribuição de renda se deteriore, preocupa-se com o pleno emprego e com o nível de salários?
A China desmente a resposta. É o país que mais cresce no mundo, nos últimos dez anos (10% a.a.), recebe grande volume de capital externo, incentiva as exportações, controla as importações, não quer privatizar as empresas que continuam gigantescas e estatais, não é democrática e não quer nem ouvir falar em propriedade privada da terra ou do capital.
Entretanto, o capital está lá e argumenta, otimista, que um dia tudo isto vai mudar e a China oriental e misteriosamente vai se tornar o paraíso do livre comércio.
Pode ser que a China tenha dois atrativos para o capital financeiro internacional -1 bilhão de chineses e salários muito baixos- que permitam aos chineses continuarem comunistas e desobedientes aos ditames da razão da época e do mercado.
Por que os governos social-democratas da França, da Espanha e do Brasil gastam pouco na área social, têm a privatização como prioridade número um e querem "flexibilizar" o mercado de trabalho e reformar a previdência?
Talvez a classe que o partido social-democrata representava tenha mudado de idéia. Os trabalhadores perderam o emprego e deixaram de ter voz na vida política nacional. Ou porque foram terceirizados e hoje se consideram empresários. Ou porque depois de vender o trabalho às empresas foram seduzidos pela mídia e venderam a alma também. E a social-democracia apenas se adaptou ao mercado de eleitores.
Talvez a social-democracia nunca tenha sido a representante legítima dos interesses dos trabalhadores e nunca tenha passado de um grupo de intelectuais e políticos que imaginavam que compreendiam e representavam trabalhadores, mas não compreendiam nem representavam.
Mas se é assim, por que os intelectuais dos partidos social-democratas mudaram de idéia? Apenas pela ambição do poder? Mas para que ganhar o poder se querem se comportar como líderes de outros partidos e seguir passivamente as regras do mercado?
Existe uma resposta otimista para tantas perguntas. Talvez a social-democracia aqui e em outros países latinos esteja agindo maquiavelicamente. Entrega alguns anéis -a privatização, o abandono da política industrial, as taxas de juros altas, o pleno emprego-, mas não perde os dedos- aproveita a tranquilidade propiciada ao capital para investir em educação, saúde pública e combate à pobreza. Estaria fazendo a política possível em face dos limites impostos pela realidade.
Existe também uma resposta pessimista.
O partido que apoiava o governo militar passou a se chamar Partido Democrata Social. Hoje, o partido mais à direita do espectro político se chama Partido Popular Brasileiro. O partido dos políticos mais ligados às práticas de negociação pessoal, setorial ou regional se chama Partido da Frente Liberal.
O governo brasileiro se apóia em dois partidos: a frente liberal e a social-democracia brasileira. Talvez social-democracia em português, francês e espanhol seja apenas um nome como outro qualquer, escolhido no dicionário dos nomes de partidos políticos, como nomes de hotéis e restaurantes.

E-mail:jsayad@ibm.net.br

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