São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 1997
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Brecker traz seu virtuosismo no sax

GUGA STROETER
ESPECIAL PARA A FOLHA

A segunda noite do Heineken Concerts 97, na quinta, tem como anfitrião o pianista, maestro e compositor César Camargo Mariano.
Foi ele quem, como instrumentista, sintetizou e adaptou a polirritmia do samba para o piano. Os contratempos de sua mão esquerda tornaram-se um padrão comparável ao dedilhado de João Gilberto ao violão: na sua batida, de maneira econômica, encontramos a transfiguração do surdo, do pandeiro e do tamborim.
César comanda a noite dos arranjadores e convida para esse concerto o seu quarteto sediado nos EUA, mais Ivan Lins e seu grupo, a cantora norte-americana Diane Reeves, o violonista brasileiro radicado nos EUA Romero Lubambo; e o saxofonista Michael Brecker.
Michael, 48, é natural de Filadélfia. Sua carreira começou ainda nos anos 60, quando ao lado de seu irmão, o trumpetista Randy Brecker, participou de diversas gravações e shows acompanhando Janis Joplin, John Lennon, Johnny Winter, Clark Terry.
Nos anos 70 e 80, quando o jazz fundiu-se ao rock e ao pop, Michael Brecker despontou com uma sonoridade que veio a influenciar toda uma geração de saxofonistas.
Brecker não ocupa um assento no olimpo dos grandes gênios criadores do jazz, mas como virtuose em seu instrumento, continua como referência para muitos músicos. Dono de uma técnica prodigiosa, Brecker conhece como poucos seu instrumento: timbre, agilidade, clareza na digitação, controle dos registros graves e agudos. Méritos que o colocaram como um dos side-man mais requisitados e que o catapultaram à condição de líder de sua própria banda, incumbência essa que vem desafiando o artista nessa década.
Michael Brecker é um trabalhador febril. Sua carreira contabiliza mais de 400 gravações como instrumentista contra aproximadamente 10 álbuns em que aparece como líder.
A música brasileira não é novidade para Michael. Ele já esteve por aqui várias vezes; e além disso seu irmão Randy foi, durante muitos anos, casado com a pianista brasileira Eliane Elias.
Michael e Eliane gravaram discos marcados pela mistura da "fusion" e da bossa nova, repertório esse que o familiarizou com as peculiaridades métricas e harmônicas da MPB.
As performances de Brecker são sempre avassaladoras. Suas improvisações esbanjam técnica, característica essa que causa alguma polêmica no meio musical. Ninguém discute seu talento; mas alguns críticos enxergam em seu estilo uma característica que constitui um impasse estético recorrente em diversos músicos da nova geração de jazzistas: a demonstração da perfeição técnica pode tornar-se o objetivo maior da música e assim, surge o risco de um distanciamento inconciliável com o ouvinte, que sente a música um tanto fria.
Paradoxalmente, a personalidade de Michael Brecker não se assemelha a seus solos enfáticos. Simpático e tranquilo, concedeu por telefone uma entrevista exclusiva à Folha.
*
Folha - O que vocês estão preparando para o concerto do dia 17?
Michael Brecker - Nós vamos nos divertir bastante. Tenho tocado com César Mariano na sua casa, aqui nos EUA. Estamos preparando algumas composições minhas, outras dele. Ivan Lins e Diane Reeves também participarão e a empatia é muito grande.
Folha - Muitos músicos tem curiosidade de saber como você desenvolveu seu estilo.
Brecker - Eu me desenvolvi tocando, tocando muito. E ouvindo John Coltrane, Charlie Parker, Joe Henderson, Sonny Rollins. Depois de tocar bastante, o seu próprio estilo surge sem que você perceba.
Folha - E em que momento da sua carreira você percebeu que seu estilo estava se tornando um padrão capaz de influenciar instrumentistas de todo mundo?
Brecker - Eu nunca pensei nisso. Muitas pessoas me dizem isso, mas é difícil para mim enxergar esse fato. Eu apenas tento aprender coisas novas e tocar a música que eu gosto. É assim que contribuo para o cenário do jazz contemporâneo, que é muito amplo.
Folha - E como você vê o jazz dos tempos atuais?
Brecker - Não divido o jazz por décadas, estilos ou rótulos. Jazz é música improvisada com suingue. É uma manifestação em constante mutação. Novos talentos estão brotando em todo mundo e essa geração sem dúvida vai provocar grandes mudanças.
Folha - E essa música continuará sendo jazz?
Brecker - Será sempre o jazz: música instrumental com estrutura às vezes bastante complexa. Essa música está se enriquecendo com influências da world music e com as sonoridades de diversas etnias, mesmo que não atraia tanta gente quanto o gênero pop, o jazz ainda se comunica e continuará comunicando com muita gente.

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