São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 1997
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Caravelas de Cabral chegaram atrasadas

FEDERICO MENGOZZI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil, o país já fora descoberto.
Lepe atingiu o cabo de São Roque (RN) em dezembro de 1499, e Pinzón, o cabo de Santo Agostinho (PE) em janeiro de 1500.
Mas, a exemplo da descoberta da América por Cristóvão Colombo -o viquingue Leif Ericson teria chegado ao continente meio milênio antes da viagem do navegador genovês-, foi a descoberta por Cabral que incorporou a nova terra ao mundo ocidental.
Entre os possíveis "descobridores" do Brasil, contam-se também o francês Jean Cousin, o alemão Martin Behaim, os espanhóis Alonso de Ojeda e Alonso Véllez de Mendoza e o português Duarte Pacheco Pereira -fala-se até em João Ramalho, português que, em documento de 1580, afirmava estar há 90 anos no lugar.
É possível, mas, mesmo que um desses nomes tenha aportado por aqui, sua aventura não teve a menor consequência, a ponto de a chegada ser mera especulação.
Terra à vista
Com Cabral, a história é outra, e o mundo soube que existia terra na área portuguesa do Tratado de Tordesilhas -então, ainda não se sabia que essa terra se ligava àquela descoberta por Colombo.
Por mais que se acredite ter sido uma descoberta intencional, não existem provas absolutas que comprovem esse pressuposto.
A tese de que a nova terra foi descoberta devido a um desvio de rota para evitar as calmarias da região do golfo da Guiné parece desculpa esfarrapada, mas não descabida.
Até o século passado, foram inúmeros os registros de navios a vela que, por causas naturais como correntes ou tempestades, afastaram-se do continente africano.
É o caso da pretensa descoberta de Jean Cousin, em 1488, que, na altura do arquipélago dos Açores, teria sido levado por corrente marítima, atingindo o rio Amazonas.
A ênfase com que Portugal defendeu a revisão da bula do papa Alexandre 6º, que favorecia os espanhóis na questão das terras descobertas ou por descobrir, resultando no Tratado de Tordesilhas, é um dos sinais de que Portugal sabia que havia terras na parte oeste do Hemisfério Sul.
Segundo alguns historiadores, a falta de surpresa que revelam a carta de Pero Vaz de Caminha e a de mestre João acena para a tese da intencionalidade da descoberta.
Caminha ainda se refere ao rei sobre o "achamento desta vossa terra", mas mestre João vai, sem emoção que revelasse o espanto da descoberta, direto ao assunto: "Ontem... descemos em terra".
Cabral viu sinais de terra em 21 de abril de 1500 -"muita quantidade de ervas compridas", escreveu Caminha-, mas foi no dia seguinte que avistou "um grande monte, mui alto e redondo" a que deu o nome de monte Pascoal.
O Brasil se incorporava ao nascente império português, e sua descoberta oficial coroava os esforços de algumas décadas -iniciados após a conquista de Ceuta (1415)- de expansão marítima.
Descoberta a terra, era preciso ocupá-la, mas Portugal só cuidou disso três décadas mais tarde, para interromper a extração do pau-brasil por navios estrangeiros, principalmente franceses.
Com Martim Afonso de Sousa, que chegou em 1531 e deu início à colonização, começou o efetivo Descobrimento. Descoberto o Brasil, ainda falta descobrir Pedro Álvares Cabral, personagem que, mal entrou na história, desapareceu num meandro dela própria.

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