São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 1997 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Viajante entra em 'transe' nas ladeiras de Salvador
SUSAN KATZ MILLER
Há cerca de um ano, eu passeava ao anoitecer, acompanhada de meu marido e dois amigos em visita dos EUA, pelo setor não restaurado do Pelourinho, na cidade de Salvador, a capital não-oficial do Brasil "africano". Sons de tambor e cantos ritmados saíam de uma porta sem placa. Hesitamos, curiosos e um pouco apreensivos. Naquele momento, dois homens saíram pela porta e nos saudaram calorosamente: "Está tudo bem. Entrem!" No primeiro andar da casa, três percussionistas batiam um ritmo complexo nos tambores, enquanto algumas pessoas dançavam em forma de círculo. Pouco a pouco fomos percebendo que pelo menos duas delas se encontravam em estado de transe ou algo semelhante. Elas se contorciam como se estivessem sob o controle de forças invisíveis e reviravam os olhos. Algumas moças de branco cuidavam dos "possuídos", amparando-os quando caíam e gentilmente levando-os para fora do recinto, para se recuperarem. Turista na macumba Sem querer, havíamos topado com uma celebração do candomblé, a religião brasileira baseada na adoração de divindades africanas. Mais tarde, nós próprios envolvidos em uma espécie de transe, voltamos a pé pelos morros do Pelourinho, ouvindo os chamados e as respostas ficando cada vez mais fracos, à medida que nos distanciávamos do labirinto de ruelas. Situada a 1.649 km ao norte do Rio de Janeiro, Salvador, a capital do Estado da Bahia, é famosa pela riqueza de sua cultura afro-brasileira, a beleza de sua localização -numa baía repleta de ilhas- e pelos temperos de sua cozinha. Ela vem dando origem a várias ondas de inovação musical no Brasil, desde Gilberto Gil e Caetano Veloso até as novas estrelas Carlinhos Brown e Daniela Mercury. Mas, nos últimos quatro anos, um enorme projeto de restauração arquitetônica transformou o Pelourinho no centro cultural da cidade e ponto central de qualquer visita à Bahia. No Pelourinho você também encontra um calor de rachar, objetos kitsch para turistas, pobreza que incomoda, policiais que se excedem no zelo e até mesmo música pop de má qualidade. O que prevalece, entretanto, é o encanto da cidade, um legado das tradições africanas que aqui criaram raízes e floresceram. O bairro é repleto daquilo que os baianos chamam de "axé" -a força vital ioruba ou o poder de fazer as coisas acontecerem. Cada vez que visitamos o Pelourinho topamos com algum festejo. A primeira vez, há dois anos e meio, nos vimos diante do que parecia ser um desfile espontâneo de pessoas cantando e dançando nas ruas em meio a carros e turistas imobilizados, comemorando a vitória dos portugueses sobre os holandeses numa guerra colonial pelo controle do Nordeste. Tradução de Clara Allain LEIA MAIS sobre Salvador na pág. 6-12 Texto Anterior: Até caranguejos são preservados Próximo Texto: Festa revela o que a baiana tem Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |