São Paulo, sexta-feira, 18 de abril de 1997
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O dilema da balança comercial

MAILSON DA NÓBREGA

A situação da balança comercial trouxe um dilema para o governo.
Se nada fizer, confiando que haverá financiamento para um déficit maior, pode ter que agir bruscamente mais tarde, se as coisas piorarem. O preço social e político será elevado.
Se agir para resolver o problema, estará mudando as regras, o que é ruim para sua credibilidade. Seria a volta do "stop and go". Dependendo das medidas, a popularidade do presidente poderia cair. Os críticos iriam tripudiar.
A realidade é, todavia, inescapável: há uma visível deterioração da balança comercial. O ritmo acelerado das importações e a lentidão do crescimento das exportações têm superado todas as expectativas.
Grande parte dos analistas econômicos prevê um déficit comercial por volta de US$ 12 bilhões para 1997, quase o quádruplo do verificado em 1995 (US$ 3,2 bilhões). No final do ano passado, falar em US$ 6 bilhões a US$ 7 bilhões era visto como exagero.
Poucos têm dúvida da origem do problema. Do lado das importações, ainda estão em curso os efeitos da abertura da economia: a substituição, pelos bens importados, da produção doméstica pouco competitiva.
As empresas e os indivíduos prosseguem o aprendizado com a nova situação. Buscam melhores fontes de suprimento de partes, peças e componentes e bens duráveis de melhor preço e qualidade.
Dificilmente já teremos chegado ao novo patamar de importações. Neste ano, elas devem ir a 8% do PIB. Esse nível havia sido alcançado antes que os choques do petróleo e da crise da dívida externa exacerbassem o protecionismo, nos anos 70 e 80.
As importações estão aumentando, adicionalmente, pelo efeito de uma maior demanda, derivada da taxa de crescimento do consumo e do déficit do governo. O consumo cresce, por sua vez, pela maior oferta de crédito.
O ímpeto das importações tem origem essencialmente estrutural: a abertura da economia e o quanto ela induz as empresas às compras externas para aumentar a eficiência. Tem a ver também com o aumento de renda familiar pós-Plano Real.
Do lado das exportações, o problema é igualmente estrutural. Embora as empresas venham esforçando-se para elevar a produtividade, isso nem sempre ocorre em ritmo igual ou superior ao da valorização cambial.
Além do mais, a crise fiscal acarretou uma redução nos investimentos públicos em infra-estrutura, enquanto os equívocos da Constituição de 1988 aumentaram os custos da economia brasileira. Resultado: queda de competitividade das exportações.
O problema tende a ser suplantado com o tempo, mercê de reformas para diminuir os custos sistêmicos ("custo Brasil") e de estímulos específicos às exportações: crédito, desoneração tributária, seguro de crédito e ação para vencer barreiras no exterior.
Até que todas essas transformações se completem, dificilmente o governo se livrará de correções de rota.
Nossa evolução institucional ainda não se compara à dos países desenvolvidos, que os faz ter regras mais estáveis do que as nossas.
Suponha-se que o governo prefira o ajuste. Ou altera os preços relativos em favor das exportações, via desvalorização, ou reduz o ritmo de crescimento da demanda.
A desvalorização cambial seria o caminho de maior dano. Traria sérios prejuízos aos endividados em moeda estrangeira, agora em sua maior parte no setor privado, inclusive na agricultura. Aumentaria a inadimplência no sistema financeiro.
Dado o nível da demanda, a desvalorização traria inequívoco efeito inflacionário. A questão não é saber de quanto. Por pequeno que fosse, o aumento de preços traria desconfiança e o risco de reindexação. Ainda não dá para desafiar o monstro.
Para reduzir o ritmo da demanda, o ideal seria um vigoroso ajuste fiscal. O setor privado sofreria muito pouco. Essa alternativa não está ao alcance do governo, diante da rigidez institucional herdada da Constituição de 1988.
Como se vê, o cardápio de medidas é minguado. Resta a saída da restrição ao consumo. Não se trata de estancá-lo nem de promover uma recessão, mas de reduzir o ritmo de seu crescimento.
Algumas limitações de prazo no crédito ao consumidor seriam o bastante. Não haveria necessidade de aumentar os juros nem de outras medidas mais drásticas, como as adotadas em princípios de 1995.
O governo pode também adotar a postura olímpica de ver o andar da carruagem. Não parece ser a mais prudente.

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