São Paulo, sexta-feira, 18 de abril de 1997
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Caymmi lança CD em silêncio

CRISTINA GRILLO
DA SUCURSAL DO RIO

Às vésperas de completar 84 anos -no dia 30 de abril-, o cantor e compositor baiano Dorival Caymmi guarda um segredo. Ele não quer que descubram as composições inéditas que vem fazendo e guardando em suas casas -o apartamento em Copacabana, no Rio, a casa em Rio das Ostras (na região dos Lagos), e a casa em Piqueri (Minas Gerais).
O motivo é prosaico. Caymmi quer fugir do assédio de gravadoras e do risco de ter que voltar aos estúdios. O compositor foge do assunto, revelado por amigos.
"Tenho nada não. Só umas coisinhas aqui martelando minha cabeça, que estão sendo maturadas, mas que nem sei se ficarão prontas um dia", disse Caymmi à Folha em entrevista na quarta-feira à tarde.
Para dar um alento aos fãs, Caymmi está lançando nesta semana "Caymmi Inédito", trabalho feito há 12 anos, mas nunca lançado comercialmente -foi distribuído apenas como brinde de Natal pela construtora Norberto Odebrecht em 1985, numa tiragem limitada de 3.000 exemplares.
No trabalho, há três músicas nunca gravadas por ele: "Caymmiana", um arranjo feito pelo maestro Radamés Gnattali sobre temas do compositor, "A Mãe d'Água e a Menina" e "Sargaço Mar". Caymmi não esconde a predileção por "Sargaço Mar".
"Esperei todos esses anos para ver este disco rodar para todo mundo. Eu estava seco para ouvir 'Sargaço Mar' tocando nas rádios. Queria ouvir todos os 'S' sibilantes tocando", diz Caymmi.
Ausência
Depois de "Caymmi Inédito", o compositor não entrou mais em estúdios. Contratos de gravação lhe causam arrepios, e ele relembra uma história de 1938 para mostrar que a resistência vem de longe.
Na época, ele foi procurado pela gravadora Odeon para assinar um contrato de dois anos, no qual gravaria três discos de 78 rotações, com seis músicas -duas em cada.
"Não sei jogar assim. Vou lhe confessar uma coisa: era uma incumbência que não podia cumprir. Isso não é contra princípios morais, é contra minha capacidade. Eu não tenho capacidade nenhuma de fazer um sucesso, quanto mais seis e escrever e garantir que vou fazer", diz.
Caymmi tentou fugir do contrato, mas acabou assinando com a gravadora, depois de pressionado por amigos. Mas fez uma observação ao diretor da gravadora:
"Tentei conversar, dizer que não podia fazer, mas ele insistiu. Eu disse que ia acabar recebendo o bilhete azul por não cumprir o contrato. Evidente que não cumpri. Quando ele mandou o bilhete azul, voltei lá e falei: 'Eu não disse?". Ele acabou rindo. Nem tive prejuízo porque não tinha multa. Bons tempos aqueles".
Agora, para lançar "Caymmi Inédito", a gravadora Universal Music está organizando, para a próxima quarta, um show para convidados no Golden Room do Copacabana Palace. Caymmi se apresentará ao lado dos filhos Nana e Danilo. Dori, em turnê pela Europa, não poderá participar.
Como será o show, Caymmi não sabe. "Eles é que estão resolvendo tudo", diz apontando para a neta Denise, filha de Nana. "Na hora que me empurrarem para o palco eu entro. Eu não sou a estrela desse negócio. O que quero é ter o prazer de ver o disco", diz.
Caymmi tem se distraído com uma palavrinha -qual, ele não revela de maneira nenhuma. "É uma coisinha que está aqui maturando, uma palavrinha que ouvi e está à espera de ficar madurinha e virar uma música nova", diz o compositor, que aproveita a casa de Piqueri para o processo de amadurecimento da palavrinha.
Lá ele construiu sua "arca de Noé": um cômodo fora da casa, com quatro janelas -uma em cada parede. "Em cada janela se vê qualquer coisa, só bobeira. O importante na vida é olhar a paisagem. É a melhor coisa. É isso que faço lá", diz.

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